Tocaia

TOCAIA

“ No vão da porta a image de Belarmino destacava cumo u’a sombra e o chapinhá da bassôra que Dora maniava na terra batida da cunzinha quebrava o quieto da manhã que ingatinhava.

Dora cuntinuava barreno e, de veiz inquano, óiava de banda pro Belarmino. Fitava suas costa incumbucada e arripiava de vê aquese muque têso mostrado pru baxo da camisa puída e remendada.

No cumêço num era assim, não! O casamento era só u’a cumbinação que fizero pra ela iscapá das crueldade da língua do povo e pra ele se disligá das quizila do passado. Cum o passá dos ano, o trato feito de um não s’importá cum o ôtro num pôde mais sê cumprido.

Na solidão das noite a tapera se amiudava ou os dois criscia mais e mais. Inté que os esbarrão que eles provocava pur querê biliscava as coisa deles de tanta vontade... Os oiá ispichado se buscaro suspeitoso e amoroso nas cara vermêia de vergonha.

Os ano se passaro e deu que num dia de tudo cinzento a chuva disbarrancava pras banda do mataréu e envinha, meio inzonêra, mais envinha. Se num fosse o baruio do corguinho lá imbaxo já dava pra assuntá a derrancada dela logo ali pertim.

Belarmino enfia a mão pru baxo do chapéu e coça a cabeça. Dicerto masca o ‘É hoje o dia!’.

Ingole um nada que tem na boca seca, levanta a manga da camisa e alisa o piauzim dentro do manguêro. Dispois, aparpa um caju vermêio e suspira u’a tosse.

Num quero-num-quero, vorta pra dentro da tapera, óia meio pru baxo pra Dora, pega o bule impretejado e dispeja o café na xícra discascada. Arremedano u’a paciença que os dedo nega tremente, sorve a beberage, inquanto a ôtra mão coça a bunda pur num tê o que fazê.

Dora, arriada no tamburete, gunguna u’a modinha, catano o arroiz pro armoço que já, já divia de ficá pronto. Separa os grão num trabaio delicado e lerdo.

Qui nem barata no azeite, ele, Belarmino, se arrasta, piriquitano praqui, prali, laçano as idéia iscundida nos canto do rancho. Vai inté a dispensa, aparpa u’a por u’a das banana-ôra dispinduradas na trava do cômodo.

Marrequinha, paquêra de passinho miúdo, ressona dibaxo do cate, dano o de-mamá pros quatro fiotinho que nascêro antonte. As manha de mãe apartô ela das caçada ,tant’é qui já nem óia pra chumbêra enfiada pru cima da porta do quarto.

Belarmino morgueia e seus dedo grosso pulega o camim da cabeça inté o rabo da cachorra. Pesa um e ôtro cachorrim, se apruma cum um istralo no juêio e, sem oiá pra traiz, toca rumo da porta.

Antes de saí, aparpa o borso trasêro pra sinti o inchimento dos papel imbruiado num saquim prástico de açuca cristal. Só intão arrodeia a quina da casa, passa berano o paiol cai-num-cai, abre o cochête e segue o triêro, rompeno o morro baxo e pelado pelas pisadura da dezena de vaquinha magrela.

‘_ Sol e chuva, casamento de viúva!’

O aguacêro distrambeiado dispeja sua raiva naquele corpo moreno que infrenta ela num caminhá lerdo, mais dicidido. Mal se sabe o que corre dentro da cabeça daquele hôme temoso.

O chapéu arreia cum o peso da chuva, pareceno fôia de taioba apartada do talo. A camisa colada nas costa fica quais transparente em cima da pele quemada e lisa. O corpo arquiado recebe os pingo grosso que o céu chora disconsolado, inté parece adivanhano disgracêra!

Pur quanto tempo ele tá caminhano? A chuva minguano a dispusição e dobrano a distânça e o dia andano a galope, nos seus minuto contado e correto, disatina a cabeça que já tava muito isquentada cum toda aquesa coisa que Dora envinha falano na hora da raiva.

Dora, cismada, pila a angústia de num podê fazê nada mais do que já envinha fazeno todo dia (_ Aquil’é sirviço de hôme. Do MEU santo hôme!). Remexe, intão, nos coité e nas panela isparramada em riba do jirau e vai disfiano um disatino de pensamento nada agradave. Tira um pito de paia enfiado no nol que remata o lenço na cabeça. Chupa a fumaça azulada. Bota a mão na anca e cum a ôtra dá u’as vorta ingnorante na cuié de pau, rebojano o feijão que borbuia no calderão de ferro em cima das lavareda da trempe. Veiz e ôtra iscorre dois, treis pingo do caldo na mão e leva na boca, isprementano o tempêro (_Será que Belo já chegô no vau?).

A zorra que a chuva faiz, o assobio do vento curvano pé de pau e o breu isparramado no cabresto do cerrado é dispercebido pra Belarmino qui só pensa no vau abrino a boca disdentada logo dispois da curva que vai seno rompida por seus pé discalço. Se ôtra fosse a ocasião ele num passava pur ali. Mais é priciso chegá logo e, pur isso, se vale agora do ataio. Só quano dá de cara cum o disbarrancado é que assunta o medo correno no lombo, dano arripio de temor, misturado cum o do frio. Istacado na bêra da grota, prucura o camim incubrido de capim-meloso. Respira fundo, móia a boca seca cum a água da chuva que discansa no seu bigode e discamba barranco abaxo.

Parece que a travessia nunca termina na vida! O coração lateja e quarqué um pode iscuitá do tanto que bate forte. Suas venta abre cismada. Os óio, quano pisca, pisca miudim, procurano os pirigo que pode vim de todo lugar. Os dedo da mão direita furmiga, ferrados no cabo ensebado da pexêra.”

_ É... é inté ingraçado o que que o mêdo faiz cum um hôme acustumado cum as brabêza da vida!

“Dora, que de paciençosa num tem nada, viaja várias veiz o camim, no pensamento, quaiz podeno adivinhá onde deve de tá o Belo. Cum aquele tino que toda muié tem, ela larga os afazê, numa braçada só abarca o pelêgo disusado e a foice. Sem fechá a porta s’imbruia e sai. Parte pur um ôtro camim que disimboca no brejo, perto do vau.

Belarmino consegue vencê a discida do vau e, cumo a ispantá o sufoco do peito, ripica a carrera, óia pro barranco na sua frente. Os fio de água é cobra barrenta que desce garrada nas ponta de pedra, vino no rumo dos seus pé, dano a idéia de abri grandes boca, de rebojá nas suas perna e de misturá cum o rêgo que acumpanha o discambá da grota.

Sacudino a cabeça, Belarmino toca pra longe as visage e, pela dúzia de veiz, aparpa o calombo no borso da carça (_Tá’qui!). Cabrêro, oiano de um lado pro ôtro, arripia de novo os passo. Usano u’a das mão na subida do barranco, ele fica muito disprivinido. Quand’é fé, um gorpe bastante dilurido lanha seu costado.

Cum terror ele se vorta e sua mão tenta inguli a distânça intrimei o barranco que ela tava garrada e o cóis da carça, onde tá guardada a faca. Seus óio fisga o inimigo, terrivermente cunhecido, de foice na mão.

Um ôtro gorpe separa seu braço direito do resto do corpo, espirrano o sangue que mistura cum a água marron do rêgo d’água que incobre suas canela. Belarmino urra de dor e de disispêro, tentano tarracá o inimigo cum o braço que restô.

Novo gorpe! De novo a enxorrada de sangue!

Dispois do quarto gorpe, Belarmino cai e o inchimento muda de borso. Um cordão vermêio vai virano nata dentro d’água e os pêxe lambe o cabo da foice isquicida no chão. De pôco em pôco, cum menos receio, se achegam do corpo queto de Belarmino, mei dentro, mei fora d’água.

A chuva afina, inté virá um serenim miúdo e frio. O vento acarma e um ôio de sol aparece mei invergonhado ditraiz do véu iscuro das nuve.

Uma ‘treis-pote’ chega de manso, discunfiada, assuntano os pirigo. Istica o pescoço, óia em vorta, sintino a terra tremê cum o galope dum cavalo sumino longe. Sem procurá intendê nada, se infia na moita de são-jusé.

Silêncio.”

***

_ Isso foi cinco ano atrais, seu moço! Desd’intão um disse-me-disse cuchichado pur aí dá conta de que o padre italiano custurô a batina desd’a barra inté o vão das perna, trocô aquela toquinha isquisita pur um Panamá branco dos ligítimo e já num bêja mais o rusáro frio. Prefere os beiço ardente de Dora. Diz inté que o saquim de açuca cristal fica dibaxo dum cochãozim pra apará mijo de minino galego. Mais eu num agaranto , não sinhô! Pur causa que nem eu, nem ninguém, nunca mais bateu perna pro lado de lá do vau _ Pur isso que missa aqui, seu moço, nessa curruitela, nunca mais! Puis boca que morde ninguém é besta de querê beijá... ah! Isso é que não!!!

Paulo Pazz
Enviado por Paulo Pazz em 29/10/2008
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