- Por volta de 1977, eu com os meus 22 anos de pura energia, nas minhas andanças pelas estradas e belas cidadezinhas de meu Estado – Goiás, encontrava com meu Pai em uma Cidade chamada Britânia, às margens do Lago dos Tigres, no Rio Araguaia. Cidade pequena, alguns comércios, duas pensões, sem nenhuma infra-estrutura, chegamos ao entardecer com cara, corpo e alma repleto de pó, cuspindo tijolo, caminhamos para estalagem da Rosa, quartos com redes e camas, mas muito limpinho. Ao chegarmos ela logo grito da portaria, se sujar o meu lindo piso de vermelhão vão pagar dobrado, meu pai gritou, rosa eu resolvi trazer meu filho mais velho, ela falou, melhorou agora voce vai ter desconto, vou dar uma conferida no material, meu pai sorriu e disse, deixa pelo menos colocar as malas no quarto !!! Certo querido. Olhei para meu pai e não entendi nada, ele respondeu na lata, não pergunte.... já tínhamos um ritual, olhar debaixo dos colchões para detectar insetos e outros tipo: barbeiros, baratas, escorpiões e aranhas, lacraias em alguns locais até umas cobrinhas aquecendo do frio, concluindo o ritual, caminhamos para o local de alimentação, quatro meses de madeira lascada, rústicas, forro verde com branco. Neste local meu pai encontrou um antigo amigo índio que pertencia a uma tribo que morava na Ilha do Bananal, após atualizarem as idéias, nos convidou para tomar um banho no Lago antes de jantarmos. ( nesta época era comum os viajantes ao tomar banho no Lago).
- A noite muito quente, sem vento, já tomava conta, era boca da noite , caminhamos a pé para o Lago dos Tigres, estrada de chão batido pouca gente só indo, ouvia-se ao longe barulho de animais, corujas, onças, jacarés, local pitorescos, com Lua cheia, areia geladinha, cheiro fresco de água, luz quase nenhuma, neblina rala de beira de rio e uma barcaça circulante de motor no cais esperando os passageiros. Diante aquela quantidade de água, tiramos as roupas disfarçadamente e a colocamos em uns galhos e quando íamos pular na água o nosso amigo pediu que parássemos para fazer um ritual, profetizou algumas coisas, agradeceu e invocou os espíritos para proteger a nossa amizade e os nossos espíritos, então só assim liberou para o banho, achei coisa boba, estava querendo mesmo era nadar, coisa de criança, água gelada, comecei a nadar, sentia como um peixe, mergulhando nas águas escuras, daquele corgão (corrego grande) fundo arenoso, estava adorando, fui o último a passar sabão, logo meu pai saiu da lagoa, ficando eu e o amigo índio, de molho, de repente, o sabão escorregou de minha mão e eu tentei pegar, ele afundou, imediatamente mergulhei e não conseguia encontra-lo, quando de uma forma inesperada, senti uma coisa me puxar para dentro do lago, forte como uma sucção de aspirador gigante (a barca havia saído do caís, com o movimento o deslocamento de água era muito forte), fiquei desesperado, rodei no fundo umas 3 vezes, quase sem fôlego, senti novamente a água normalizar e consegui retornar a superfície.
- Tonto, olhei ao redor e percebi que estava bem distante da margem, ouvindo ao longe um grito, era do índio, tudo escuro, uma neblina criava um véu entre as fracas luzes, distorcendo o ponto de retorno, continuei boiando uns 15 minutos, quando ao longe eu vi uma lanterna se aproximar, quando olhei estavam meu pai e o índio pelados dentro da canoa gritando o meu nome, cansado respondi imediatamente, eles chegaram de mansinho, canoa pequena não quis arriscar subir para não virar, fui segurando as bordas da canoa nadando, cheguei assustado mas não estava cansado, eu sempre tive um excelente preparo físico, já na areia eles desceram, amarraram a canoa no cais e quando eu olhei percebi umas 30 pessoas olhando aqueles três seres despidos chegando em uma canoa indígena, quando um gritou, estes índios bem que poderiam colocar uma roupa, em vez de andar pelado pelo rio, eu disfarcei e pensei: ainda bem que estava muito bronzeado, bem amarelo mesmo, a noite todos os gatos são pardos, pegamos as roupas e disfarçadamente fomos para a pensão.
- Meu pai parecendo um peixe-boi no cio, com muita raiva, olhou para mim e falou quando que você vai parar de arrumar confusão?? tudo acontece com você, caramba !!! até parece que estou pagando os meus pecados, nunca pensei em andar pelado na rua!!!! É o fim da picaretilda !!!!!! cabisbaixo, quando caminhava para o quarto ele falou, vamos jantar mandei fazer aquela carne de paca na brasa que você tanto gosta.
- No meio do jantar, todos sorrindo do acontecido, degustando aquelas delícias interiorana do sertão de Goiás, carne de paca (naquela época era legal), arroz com jiló, feijão de casca com muita pimenta, chuchu batido, farinha biju e muito suco de manga (naquela época eu não bebia e o índio também) , com a fome uma delícia se transforma em banquete celestial, bem temperado pelas mãos mágicas da Rosa. Quando o nosso amigo índio disse, sabe como consegui localizar você no lago irmão? Como?? Pela mãe Lua, ela estava refletindo justamente onde você estava flutuando, nosso medo era de você nadar em direção oposta e ser levado pela correnteza submersa, mais uns 40 metros você seria envolvido por ela e só Deus saberia onde ira parar, morreria afogado, comido pelos peixes ou pelos jacarés da região que adoravam carne humana (coisas do Araguaia).
- Terminando o jantar, meu pai foi para o quarto descansar, eu fiquei conversando com o amigo, depois de muita prosa descobri que ele era o xamã da tribo, inclusive nesta conversa chegou o sargento da polícia militar acompanhado de um senhor inglês com a fala enrolada perguntando se poderia leva-lo a sua tribo, ele tinha autorização da Funai, para fazer uma pesquisa, olhamos um para o outro e o índio respondeu: - minha canoa não cabe, só se for num barco maior e custa caro minha ida, depois de muita conversa chegaram num acordo, marcado para ás 11:00hs do dia seguinte com a minha participação, também acertada pelo meu amigo. Despedimos e fui para o quarto, é o amigo índio foi para sua rede, trançada estirada debaixo de dois grandes pés de manga coração de boi. Será que o dia havia terminado ou não!!!!. (O Conto Estrela de Luz, continua.....)