O fortinho e o fortão.

Era um bar no cais do porto, um dos mais bem frequentados, seleta frequesia. O barman era um desses caras de filme americano, grandão, forte, cara de mau. Os frequeses todos - pelo menos os presentes - poderiam ser barman se aquele preparo físico fosse a condição principal. Eram todos estivadores, homens acostumados à lida dura. Eu disse todos? menti. Um sujeitinho franzino estava meio escondido no fundo do bar, numa mesinha de canto, quase invisível. A vitrola ( vitrola, sim. E não vou explicar o que é vitrola) tocava uma música do Walano Soridick numa rotação que não era nem 45 nem 33, mas ninguém se importava com isso. De repente a paz foi quebrada. Mas antes da paz ser quebrada a vitrola foi quebrada e foi a quebra da vitrola que quebrou a paz reinante. Uma voz indecente, digo, potente varou o ar, dizendo :- Aqui todo mundo é viado. Silêncio sepulcral e todos os olhares convergindo para o barítono desbocado. O barman fortão reagiu pedindo para o sujeito repetir se fosse homem. E o cara repetiu. - Aqui todo mundo é viado. E já falou mais alto e fazendo um círculo com o braço estendido e dedo em riste. Era provocação no atacado. O barman, agil, pulou o balcão e caiu de pé em frente do atrevido fanfarrão. Caiu de pé e imediatamente após caiu deitado. Tomou um tapa de mão aberta no pé do ouvido que estalou e fez eco. O barítono era fera, mesmo. Desmontado o primeiro imprudente o encrenqueiro se dirigiu àquele que lhe pareceu o mais forte e perigoso de todos. Encostou no cara e soltou pra que ninguém deixasse de ouvir. - E aí, alemão? sua mãe continua gostosa? Falou e riu, debochado. Gente o alemão foi rápido, mas muito rápido, não se podia imaginar tanta rapidez de movimentos num sujeito tão grande e musculoso, mae ele foi, foi muito rápido, rápido demais. Só que o brutamontes foi mais rápido do que ele e o alemão saiu catando cavaco depois do murro que levou na nuca. Depois dessa demonstração de força todos se afastaram e foi aí que o famigerado viu o infeliz sujeitinho franzino no fundo do bar. O magricela parecia que não estava alí, continuava tomando uma sopinha rala acompanhada de um pedaço de pão de antes de ontem. O sorriso do grandão foi de costeleta à costeleta e a passos lentos se dirigiu ao candidato a defunto. Parou em frente a mesa e mediu o infeliz de alto à baixo. Será que estava avaliando o perigo. Talvez estivesse relembrando o ditado " De onde menos se espera é que surge o perigo". E ele parecia estar certo. O rapazinho franzino não tomou conhecimento dele, nem levantou os olhos, continuou tomando sua sopa rala. Era realmente magrinho, vestido com uma camisa de meia com listras pretas e brancas, calça branca impecavelmente vincada, sapatos do tipo mocassim, brancos. O sujeitinho era a imagem do malandro perigoso e seguro de si. Todos olhavam para um e para outro, sem entender porque o grandão não sapecava logo um catiripapo no outro e acabava logo com a história. Parece que o brutamontes ouviu o pensamento coletivo. Sorriu e deu um soco tão violento na mesa que o prato com a sopa voou longe, manchando a roupa limpinha do tampinha. Gente, o moleque era calmo mesmo, tão calmo que assustaria o Billy the Kid. A boca do indivíduo se mexeu, parecia câmera lenta. Ouviu-se então, pela primeira vez a sua voz. - Qual é a sua meu irmão? eu tôqueto aqui no meu canto, não folguei com vossa pessoa e sua senhoria chega espanando desse jeito? Minha sopa dançou, minha roupa sujou e até o meu pão o ratinho da casa afanou. Me faz a fineza de deixar minha pessoa sossegada? O grandão parecia que não estava acreditando naquilo. Era a primeira vez que acontecia com ele uma situação dessa. Mas não dava mais pra recuar, tinha gente demais olhando e sua reputação estava em jogo. Não conversou, deu um chute na mesa.O fracote então deu um salto, passou a perna direita por cima da própria cabeça, e a esquerda fez um giro rasteiro, como se fosse uma foice. A cadeira do moleque também voou longe com o plástico movimento. Mas foi só. Levou um murro no quengo, de cima pra baixo, levou outro no meio dos olhos, tapa na orelha, mãozada nas costelas.... Gente, não quero me alongar, não. Resumindo a historinha.. Esse moleque apanhou tanto, mas tanto,mas tanto......

Fim