Metade
"Eu perco o chão. Eu não acho as palavras
Eu ando tão triste, eu ando pela sala.
Eu vejo a hora, eu chego no fim
Eu deixo a porta
Aberta.
Eu não moro mais em mim.
Eu perco as chaves de casa, eu perco o freio.
Estou em milhares de carros, eu estou ao meio
Onde será que você está agora?"
Seja bem-vinda à fossa, disse Adriana Calcanhoto.
Fabíola decidiu associar-se ao clube. A partir de agora, seria a mais nova integrante do esgoto sentimental. Jamais estivera disposta a utilizar seu sentido olfativo para experenciar o coração. O que há de sofrimento por lá~conhecia muito bem, e essa fossa, ela não queria cheirar.
Fabíola pôs os comprimidos na bolsa, entrou no carro e dirigiu. Dirigiu sua vida pro abismo. Trocaria o buraco da sisterna pelo buraco sem fim. Transtornada, no primeiro sinal vermelho, quando era obrigada a parar, olhava para os comprimidos e chorava. Rios de lágrima. Chorava de infelicidade sim, chorava para que o choro fosse tão intenso que, por segundos entupisse o nariz e assim não sentiria o cheiro daquela alma jogada na sarjeta. Chorava de raiva também porque o sinal vermelho a obrigava a parar. E ela queria dirigir. dirigir seu carro, dirigir sua vida.
Fabíola acabara de ultrapassar o quarto sinal amarelo. Afinal, sinal amarelo é psicológico. Ninguém nunca sabe ao certo o que fazer, não fubnciona nem como um estímulo, logo não tem uma resposta empiricamente behaviorista pras atitudes que o ser humano possa tomar.
E Fabíola chorava para não falar, para não dizer. Pelo visto não era só seu olfato que estava comprometido.
Não é infelicidade de amor, relacionamento. Também não sabia o que era. Só sabia que estava triste, amargurada. Era saudade do que não viveu. Pior do que saudade do que poderia ter vivido. E Fabíola não sabia como sair, não sabia como fugir, não tinha pra onde ir.
Fabíola andava tão triste, e na longa estrada, entre milhares de carros, se deu conta de que tinha chegado no fim.
Deixou a bolsa aberta e engoliu os comprimidos. Perdeu o freio.