Estripulias
Pedro era um menino da capital, nas férias costumava ir para o interior, uma cidadezinha pacata próxima da divisa do Paraná.
Diferentemente dos meninos da capital, ele não era metido à sabe-tudo, não ficava achando defeito em tudo, não criticava nada, muito pelo contrário, transformava-se em um verdadeiro habitante da cidade.
Tinha como amigos, os amigos de seu primo João. O Luís Carlos, o Turquinho, o Neno, o Jaiminho e outros, mas basicamente era com estes cinco sua maior convivência. O Neno e o Jaiminho, na verdade eram primos do seu primo.
Passavam os dias andando de bicicleta, roubando goiaba, manga ou outra fruta que estivesse ao alcance. À noite iam para a praça, ficavam conversando e obviamente olhando para as meninas, ou então iam para a sorveteria onde saboreavam grandes e apetitosos sorvetes, sempre muito bem humorados e fazendo suas, digamos, estripulias. Uma delas digna de relato pela infantilidade e inconseqüência.
Havia uma linha de trem que dividia a cidade em dois, de um lado ficavam os bairros mais nobres, o comércio, a prefeitura, a igreja matriz, enfim o coração da cidade. Do outro lado, os bairros mais pobres, o cemitério, o silo da CEAGESP.
A estação era muito bonita e recebia todos os dias pela manhã viajantes que chegavam da capital e a noite, os viajantes que retornavam para a capital. Todos os dias, o trem da noite passava as vinte e uma horas, quase nunca atrasava.
Numa dessas noites, estavam esperando a passagem do trem, Pedro, Luís e o Turquinho. Quando este acabou de passar, Luís propôs ao grupo uma brincadeira.
- Amanhã vamos ver quem tem coragem de atravessar de bicicleta na frente do trem antes da cancela abaixar.
A idéia foi acatada por todos e no dia seguinte lá estavam eles esperando com suas bicicletas o trem se aproximar. Às vinte e uma horas, como todos os dias, ele surgiu numa curva, com velocidade bem reduzida, pois já estava se aproximando da estação onde iria parar por alguns minutos. Assim que a cancela começou baixar, Pedro deu impulso no pedal de sua bicicleta e pôs-se na frente dele, os outros não o acompanharam.
Na pressa de passar e como o terreno fosse bastante irregular com muitas pedras, Pedro acabou perdendo o equilíbrio e teve que acabar pulando, o trem já bem próximo, soava sua buzina alucinadamente.
Pedro assustado não teve outra alternativa a não ser puxar a bicicleta com toda a sua força para tirá-la do alcance do trem, e no tempo exato.
Quando o trem acabou de passar, do outro lado da linha, brancos como bonecos de cera estavam os outros dois, chamando Pedro de louco.
Pela ousadia, foram para a sorveteria e Pedro ganhou uma bela banana-split.
Naquela noite, todos dormiram aliviados e com a certeza de que realmente viver vale muito à pena.