Dona Cidica
O "Véio" Machado era vivo ainda, quando aconteceu esse fato. Foi mais ou menos em 1976. Na época o "Véio" Machado e mais uns amigos tinham um grupo de folia de reis. E quando chegava no começo do mês de dezembro eles se reuniam, ali na Vila Alpina, Zona Leste de São Paulo, e saiam durante todo o mês, em cantoria, pelas casas do bairro. Umas vinte pessoas integravam esse grupo. Tinha tambor, Violino, viola, cavaquinho e mais um monte de instrumentos. Havia também três palhaços que representavam, exatamente, os três reis magos.
Essa farra ia até o dia 06 de janeiro, dia de Reis, quando então, com o dinheiro arrecadado nas cantorias, realizavam a festa de santo rei, onde se juntavam quase todos os moradores da região, e a festa rolava a noite inteira.
Quanta saudade. A maioria das ruas nem eram asfaltadas ainda. Daquele pessoal todo, poucos ainda estão vivos, e hoje, restam apenas histórias, como essa que vou contar agora.
Esse caso se desenrolou em um sábado, quase duas horas da madrugada. A cantoria vinha descendo a Rua das Campânulas, próximo ao largo da Vila Alpina, numa farra danada, quando encontraram o Paulinho da Dona Cidica. O Paulinho quando bebia era chato pra caramba, e dependendo da hora e do estado em que ele chegava em casa a Dona Cidica não abria a porta nem ferrando. Ele ficava do lado de fora fazendo um banzé danado, até que se cansava e ai, então, acabava por dormir ali mesmo no quintal, num puxadinho perto do poço d'água.
E com certeza naquele sábado, já há àquelas horas, e mamado do jeito que estava, era mais do que certo que a Dona Cidica não iria lhe abrir a porta. Foi ai então que lhe ocorreu uma idéia brilhantíssima. Aproveitou o embalo da folia de reis que vinha descendo em direção a sua casa e convidou o pessoal para ir até lá fazer uma cantoria. O "Véio" Machado não gostou muito não. Ele já sabia muito bem como a Dona Cidica era.
----Sê tem certeza que ela não vai acha ruim não?
----É claro que não! Inclusive ela mandou avisar que se o senhor não passar lá em casa, não precisa mais olhar na cara dela!
Na verdade o Paulinho estava era tentando arrumar um pretexto pra poder entrar em casa. Mesmo ressabiados resolveram ir até lá. Já foram chegando numa barulheira danada. Tambor, cavaquinho e mais um monte de instrumentos. E a aquela altura do campeonato todo mundo já muito louco de cachaça, e a molecada acompanhando faziam uma zoeira que só faltava acabar com o mundo.
O Paulinho morava em um sobradinho, destes em que a janela da parte de cima é voltada pra a rua, encostado à calçada. Assim que chegaram deram início ao canto de apresentação, pedindo a Dona da Casa para abrir a porta. Não demorou muito e a Dona Cidica apareceu lá em cima na janela, toda assustada e descabelada, com cara de quem tinha acordado àquela hora e já foi soltando os cachorros.
----Que palhaçada é essa? Duas horas da manhã e vocês com esse barulhão aqui debaixo da minha janela! Cambada de vagabundo!
Gritou lá de cima, soltando fogo pelas ventas. O Paulinho tentou dialogar.
----Ôooo... Benzinho é a folia de reis! Abre a porta pra nós entrar!
----Vá pra puta que pariu você e a folia de reis! Seu pinguço!
O "Véio" Machado pegou a bandeira de Santo Reis que estava com um dos meninos e repreendeu a Dona Cidica.
----Dona Cidica, eu lhe peço que respeite a bandeira de Santo Reis!
----Vá-te fodê você também! Enfia essa bandeira no rabo, seu cachaceiro! Espera ai que eu vou chamar a polícia e mandar prender todo mundo! Vão fazer barulho na puta que os pariu, seus cu de pinga!
O pessoal vendo que a Dona Cidica não estava para brincadeira, largaram o Paulinho ali discutindo com ela e foram cantar para outras bandas. E o “Véio” Machado jurou de pés juntos:
----“ Nem adianta o Paulinho Chamá nóis de novo, por que lá nóis num vai mais!”