A doença de Tadeu e o cachorro no casamento

Zeferino José era um homem de sessenta e dois anos de idade e possuía um pequeno estabelecimento onde vendia todo tipo de mantimentos para o uso cotidiano, desde arroz, feijão, farinha e fubá, passando por biscoitos diversos até chegar a produtos de limpeza e higiene pessoal. Havia um rapaz cujo nome era Tadeu que todos os dias se sentava na porta de entrada do pequeno mercadinho e ali ficavam conversando sobre todo tipo de assuntos, apenas para fazer o tempo passar; na verdade, não havia tantos assuntos assim para ser conversados, afinal tratava-se de uma pequena cidade da baixada fluminense no Estado do Rio de Janeiro.

Tadeu nutria uma paixonite pela filha de Zeferino e este sabia disso, mas ela nunca o tinha dado esperança alguma, principalmente porque já era comprometida.

_ Bom dia Sr. Zeferino._ disse Tadeu, logo que chegou, por volta de meio dia.

Zeferino José se sentou em frente à loja, num pequeno banco de madeira.

_ Não muito bem_ Respondeu_ seu eu contar o que aconteceu ontem comigo e minha família, ninguém vai acreditar.

Tadeu estava curioso, mas queria mesmo era saber notícias de Lucile, filha de Zeferino; todos os dias que sentavam-se para conversar, a única coisa que Tadeu queria saber era sobre a mulher mais bela da cidade na opinião dele, e, por esse motivo fez tanto esforço para conquistar a amizade do velho pai dela; tinha a esperança de que a moça não se casasse e com isso ficasse livre para que ele pudesse tê-la como esposa. Mas havia também um pequeno detalhe que ele não sabia como lidar, Tadeu possuía um defeito de nascença, uma doença para ser mais exato, que se manifestou durante sua adolescência e que ele sabia que nem Lucile nem mulher alguma compreenderia e por isso contentava-se em saber diariamente notícias da moça.

_O que foi que aconteceu? _ perguntou Tadeu, querendo de alguma forma torcer a conversa para saber sobre sua amada.

_ Minha filha Lucile se casou ontem você sabia?

_ Sim sabia._ Respondeu de forma abatida.

_ Pois é, mas quando terminou a cerimônia, viemos todos andando da igreja para o local da festa, era bem pertinho e fomos caminhando, eu, minha esposa, a mãe e o pai do noivo e alguns convidados mais íntimos como os padrinhos; minha filha e seu agora marido foram de carro, afinal com aquele vestido longo, mulher alguma consegue andar direito.

Tadeu parecia um tanto triste, não tinha uma aparência boa naquela tarde, parecia doente e apesar disso, acompanhava o que o outro falava com bastante atenção.

Zeferino continuava:

_ No salão de festas tudo corria muito bem até que um cachorro, e dos grandes, invadiu o lugar; foi uma correria só; os convidados se desesperaram, minha filha desmaiou quando o bicho pulou sobre seu marido e mordeu o braço do rapaz, eu e o pai dele tivemos um trabalhão para chamar a atenção daquele cão enorme, parecia o Cérbero, só que com uma cabeça só. Vou ser sincero com você Tadeu, nunca vi um animal tão grande como aquele, ele andava de quatro patas, mas era quase do meu tamanho.

Tadeu estava aparentemente assustado e Zeferino continuou contando:

_ Minha esposa estava com um vestido vermelho e longo, portanto não conseguia correr, e tem também a idade que por si só já não ajuda; o bicho avançou nela e se não fosse o marido de minha filha que mesmo com o braço ferido conseguiu puxá-la a tempo, eu agora não sei o que teria acontecido. O cachorro gigante agarrou a roupa de minha esposa e rasgou com uma violência incrível; felizmente meu genro conseguiu arrumar uma faca grande e afiada e com ela atacou aquele bichão. Por fim o animal acabou fugindo, mas arrancou um pedaço do vestido da minha mulher, mas felizmente foi apenas o vestido, porque a julgar pelo tamanho das presas daquilo ele podia ter facilmente dilacerado qualquer um que estivesse na festa.

Zeferino parou e sorriu debilmente antes de prosseguir:

_ Meu genro cravou a faca no lombo do bicho e ele saiu correndo tão rápido que nem tive tempo de fazer nada para pegá-lo. Quando fui ajudar minha mulher o vestido dela estava todo esfarrapado, felizmente ela não foi ferida; muitos convidados haviam corrido para fora do salão, outros estavam escondidos em baixo das mesas ou em lugares mais estranhos. Minha filha ficou em choque e a noite terminou no posto de saúde para fazer os curativos no braço do meu genro.

_É uma história incrível Sr. Zeferino; mas e quanto a Lucile, foi ferida?_ Perguntou Tadeu.

_ Não. Ela apenas desmaiou, mas está relativamente bem.

Sorrindo um pouco mais o velho Zeferino José ainda conseguiu fazer uma piadinha:

_ Quem diria que começamos a noite indo para uma cerimônia de casamento, mas por muito pouco não terminaríamos em um velório.

Tadeu não conseguiu se conter e soltou um pequeno sorriso, meio sem graça, mas quando o fez revelou algo terrivelmente estranho, algo que não poderia ser apenas uma mórbida coincidência, tampouco possuía uma explicação plausível. Entre os dentes do rapaz estavam pequenos fiapos vermelhos do que parecia ser tecido, como se ele tivesse rasgado também algum pano vermelho com os dentes.

Vendo aquilo Zeferino se assustou e notando algo errado Tadeu levantou e fugiu correndo; naquele momento Zeferino também notou que o rapaz mancava como se estivesse ferido na coxa ou em uma das nádegas. Foi à última vez que Zeferino viu o jovem Tadeu.

Luiz Cézar da Silva
Enviado por Luiz Cézar da Silva em 18/10/2008
Código do texto: T1234492
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