Comadre Titica vai a feira livre.
Comadre Titica vai a feira livre
Quando está me dando uma coisa e eu percebo que é uma coisa boa, eu logo recebo... Agora, quando está me dando uma coisa e sinto que não é uma coisa boa, é uma coisa muito da ruim, parece uma caninga, me dá logo uma mijadeira que mal consigo chegar ao banheiro e já vejo o despacho escorrendo perna fora e perna dentro. Está rindo de que despacho da raiz entroncada, cururu de cemitério, coro de jia morta no calor da lamparina... Me diga, diga! Sim, porque você ri assim abertamente, com a cara mais deslavada da desgraça alheia, até parece que não tem miolo na cachola, ou será que sua cabeça é só para separar as orelhas ou colecionar chifre? Puxe daqui mal auguro, estopou balaio, ranço da malagueta, perna fina de uma fica... Me respeite, me respeite que sou uma mulher idosa, já tenho para mais de meio século de vida, metade do cabelo já branco porque a outra metade eu já perdi de tanto lutar com gente ruim e num estou aqui para agüentar desaforo de povo besta não... Se olhe no espelho, pau de sebo quarado na seca de trinta; a cara parece um maracujá, o infeliz parece o cão chupando manga verde em cima de uma pedra de fogo no pingo do meio dia e fica aí com essa boca escangotada sem nenhum dente, miserável. Sou uma mulher de muito peito, muito peito mesmo, embora tenha somente um, porque o outro já se foi de uma cirurgia que fiz as pressas. Triste cirurgia das mãos de um doutor vesgo, isso mesmo, um olho no gato e o outro, sei lá onde... A dor era debaixo do peito, nesse cantinho aqui, olhe. Só olhe sem pegar que meu marido é muito ciumento. Os exames todos acusaram vesícula, o médico arrancou meu peito, pode? Se bem que era véspera de carnaval, eu até entendi, mas não entendi muito bem não, até hoje sinto a dor da tal vesícula e a ausência do meu peito. Tem dia que não me agüento de tanta dor, só você sentindo para saber o tanto que dói. Agora, operar de novo, Deus me defenda, vai que ele arranque outra parte, o outro peito, uma parte mais debaixo, ave-maria três vezes, ave-maria três vezes, ave-maria três vezes... Não gosto nem de pensar, mas como ia dizendo, tenho muito peito pra encarar qualquer situação. Pois bem, não precisa nem ser pai de santo para perceber essas coisas, não é não esse menino? Quando a coisa é ruim, a gente logo sente assim a coisa no ar, num sabe, assim, aquele nó que vai apertando o peito, o escurecimento de vista, a suadeira das mãos, um fogo debaixo das pernas que por mais que a gente abane, não tem jeito... Eu já sei que é uma notícia ruim. Se eu tiver com um garfo na mão e cair, já sei que é algo com meu maridinho ou com algum de meus irmãos; caso seja uma colher, penso logo nas minhas irmãs e se for uma faça, já sei que é traição, das brabas!!!Vou diretinho pro meu oratório, acendo minhas velhas e rezo pra todas as almas do purgatório para me livrar de todo mal, amém. A parte ruim da história é ter que me ajoelhar, para a penitência ser maior e a prece ser logo atendida, sabe como é né, muitos pedidos, os santos muito ocupados, pego o atalho, peço logo a todas as almas do purgatório. Mas como ia dizendo, a hora ruim da coisa é ficar de joelho. Olhe, quando tenho que me levantar, é dor, é dor que parece que o mundo vai se acabar. Não sei, o médico diz que é um tal de ácido úrico alterado, manda que eu pare de comer carne na diária. Olhe bem para mim, esse menino, eu, uma senhora idosa, banguela, é, porque esses dentes aqui, foi uma chapa que ganhei de um vizinho meu que era candidato a qualquer coisa. Ele tinha uma bacia cheinha lá no consultório de prótese na casa dele, cheguei lá e olhe, fui experimentando de uma a uma até que essa deu certinho em mim, pois bem, eu, vivendo só com o dinheiro do aposento, o senhor acha que eu tenho cara de quem come carne na diária? Um alimento desses que tá pela hora da morte? Num ria não condenado, mascarado de uma figa, nó cego em punho de rede de nylon, me responda sem fazer careta, sem pestanejar,desgraça, com toda franqueza, deixe de ser tão descarado e respeite uma senhora idosa como eu! Parece fácil, mas é um caso difícil. Nossa que careca lustrada, passou olho de peroba foi? Mas me diga vá, qual é o preço dessa cenoura? Nossa que cenourão, o quê? No quilo? Não sei, depende do preço... Quanto? Você é besta, você acha que vou dar tudo isso por uma cenoura murcha dessa? O tamanho até que é bom, mas em compensação... Uma coisa dessa inofensiva, que chegando em casa, cozinho, como e a coisa some!!!Que carestia é essa meu senhor da careta lustrada... Nossa, macaxeira!!!Deixa eu pegar, deixa. Pesada, não? É novinha?Ai, ai, quando vejo uma macaxeira assim lembro-me do tempo que era feliz lá na roça, era macaxeira de dia e de noite, mesmo quando tava indisposta e não queria era obrigada a empurrar goela adentro a macaxeira do seu Zé dos burros, olhe que ele era conhecido como o homem da melhor e da maior macaxeira do lugarejo que eu morava. Olhe o tamanho e a grossura, cresci a base de macaxeira. Casei, tive que abandonar o campo, vim morar aqui na cidade, troquei a macaxeira do seu Zé dos burros por outros alimentos e veja só no que deu, vivo com problemas de saúde.Tenho certeza que são esses alimentos que como cheios de tóxicos, por isso que vivo a fase do com dor: com dor aqui, com dor ali, com dor acolá, com dor... Meu marido diz que é o problema de junta, junta tudo e joga fora, aí eu digo: _ jogue, chá feito de estrume de vaga, jogue fora para ver o que acontece. Mas eu sei que no fundo, no fundo ele é doidinho por mim, não posso arredar o pé de perto dele por muito tempo que ele logo tasca um berro pelo meu nome... Ai, ai, chega, chega , o celular, alô? Oi comadre, quanto tempo!!! Não , não tou em casa não, tou na feira, pois é, acordei cedinho, lavei uma trouxa de roupa com a água pingando na torneira e tou aqui querendo comprar umas coisinhas. Como? Sei não visse, tudo tão caro, caríssimo. Minha filha, nem te conto, consegui me consultar com aquele médico, é sim, aquele bonitão que fala parecendo uma chaleira, é, até que é um moço muito educado, e cabido. É, é sim. Apertou minha mão e foi logo pedindo que eu fosse pra trás de um negócio lá e tirasse a roupa. Eu fiquei logo alvoroçada, desconfiada, um suor passou a escorrer do pescoço, passando pelas costas e quando menos espero, já estava na regada do... Pois então mulher, você não sabe da melhor, foi aí que passei a sentir uma coisa esquisita, um negócio incomodando, aí lembrei que tinha me esquecido de vestir a calçola, pode? Nas pressas de sair de casa até a parada de ônibus, esperar a peste do motorista de avaler de mim e parar para não perder a vez da consulta... Peguei a sombrinha, a bolsa dos documentos e só me apercebi do ocorrido quando o médico pediu que tirasse a roupa. Pode um negócio desse? Sei que fiquei tão corada, tão corada que acabei pedindo para ir ao banheiro as pressas. Quando voltei mais aliviada, ele pediu que ficasse tranqüila, aí passou dois exames, um de mijo, outro de bosta, pense, e de manhã! Imagine a arrumação, logo eu, privada do jeito que sou. Ainda mulher, continuo do mesmo jeito. Já comi mamão, ameixa, o que você imaginar, quando trava, trava que não tem cristão que dê jeito. Me indicaram fazer uma lavam mais quando penso na tal mangueira entrando tripa a cima, tripa a baixo, figa senhor das causa infinitas, figa, figa ,figa, dói só em pensar... Não, escute, depois de tanta luta, consegui, mas também, quando começou a sair, se pudesse emprestar ou dá para toda comunidade eu tinha em estoque, até agora fico imaginando como é que um bucho pequeno como o meu consegue guardar tanta coisa. A parte ruim da história é que mexeu com minhas hemorróidas, quando penso que não, pegue dois botões esbrugalhados, uma coisa fora de sério, fora do comum. Passei dias e dias na compressa de água morna e água fria, água morna e água fria, alternando num sabe, pra poder acalmar e sentar em paz. Quando me via aperreada, enfiava o dedo no vick, lambuzando toda região afetada, pela graça de Deus, era como parava de coçar.A coisa mais infeliz da face dessa terra, pense. Pois então? Mulher, ele queria fazer um tal de seriada, aí eu disse: _ doutor, só se eu colocar na geladeira e todo dia trazer um pouquinho, porque não funciona todos os dias não, é uma dificuldade... O do mijo disse que tinha um tal de ácido úrico alto, passou uma dieta, disse que eu não podia comer carne vermelha todo dia, pode? Eu vivo diante de uma encruzilhada, quando mais rezo, mais despacho aparece... Algumas coisas que ele passou eu posso comer, outras não. Já se esqueceu que eu tenho a ursa estrangulada, como? E eu disse como? Ú-L-C-E-R-A, para mim tanto faz, tudo é doença mesmo. E agora apareceu um tal de corrimento. Eu pensei que corrimento só no tutano do osso da vaca, mas como mulher sangra todos os meses, tá aí, mais uma semelhança. Ele passou umas pílulas, se não resolver, vou ter que tirar tudo, ficar oca por dentro, uma tal de Esterectomia: arrancar as trompas, os ovários, o útero, arranca tudo... Só de pensar já me dá uma depressão no juízo. Tou indo amanhã fazer uma tal de transvaginal e uma última sonografia. Como? Isso mesmo ultra sonografia, mulher é que você sabe, são nomes tão esquisitos, como? A unha encravada vai até bem, não é que me ensinaram um remédio que é muito bom,bom demais. Pela manhã, quando acordar, enfiar o dedo da unha no fiofó de uma cachorra parida... Como? Coragem é uma coisa que não me falta. Eu fiz, latiu como uma condenada... Não, ainda não sei o resultado não, é que comecei a fazer hoje, tá pensado que o fiofó da cachorra é mágico? Tem que ir com calma. Alô, alô, como? Tá engasgada? Como? Mulher tenho um remédio que é tiro e queda, espere aí que vou botar crédito no meu celular e conto já, espere viu...