O CAIPIRA E SUA FORTUNA (HIST. DO BIDÚ 7)
Quando meu avô morreu, deixou de herança para Bidu duas fazendinhas, onde se criavam bodes. Uma ou duas vezes por ano, ele saía lá de casa e ia para Sergipe, em Riachão dos Dantas, organizar as coisas naquelas propriedades. Namorador como era, usava esse fortíssimo argumento para engambelar minha mãe e partir no seu “tour” amoroso, que era o que ele gostava mesmo de praticar. Bidu foi realmente um grande atleta de alcova, seus vinte e tantos filhos comprovam isso e são seus valiosos troféus. Tem de todo tipo, cor e qualidade. É o maior barato! Se um baiano já é bom, imagine uma penca!
Como dá para perceber, Bidu era um pouco irresponsável. Gostava mesmo era de viver os seus sonhos e ilusões. Nessas idas para o norte, como ele chamava, por algumas vezes deixou minha mãe à beira de dar à luz. Mas ele não se abalava, ia assim mesmo e quando voltava, se atirava cheio de amor em cima do novo filho que ainda não conhecia. Era o maior barato! Chorava, fazia todas as declarações de amor e juras, esparramava-se todo. Convidava todos da redondeza para vir tomar a tal da “Temperada”, uma garrafada de cachaça com mel de abelha, cebola branca, arruda, pau d’alho, artemija, alfavaca, hortelã, pau d’arco, etc. Essa garrafada era preparada pela gestante ou por sua parteira, quando a mulher entrava no último mês da gestação. Usava-se a melhor cachaça da região; no nosso caso, era a tal de Zeca Branco, e comemorava-se o nascimento do filho. Essa mesma receita era usada também para se livrar dos indesejáveis. Quando a mulher ficava grávida, o que não era difícil, e não queria ter o filho, preparava-se a beberagem e enterrava os litros por um determinado tempo e depois se tomava o seu conteúdo em doses calibradas por certo período até abortar. Quando o resultado não era o desejado, a criança nascia com “defeito”, desregulada, amalucada, sonsa da idéia e outros adjetivos, nascia RAYMUNDO.
Esse ritual da Temperada era importante e interessante, porque se comemorava um acontecimento. Por exemplo, levava-se em conta os fatos ocorridos durante a gravidez, como também se considerava o sexo da criança. Se o bebê fosse homem, as festanças eram mais intensas do que as das meninas. Outra coisa importante eram os fatos extraordinários como o meu. Na gestação, chorei por mais de uma vez na barriga da minha mãe, e isso para eles era um caso muito especial, pois a criança nasceria “delegado” (eu mesmo era tido como o “Delegado da Jussara”), adivinho, teria poderes especiais, desde que a mãe não contasse esse segredo para ninguém, nunca! Sete dias após o parto, ela teria que fazer uma espécie de teste com o recém-nascido, esparramando sobre a cama as roupinhas usadas nesses dias de vida e lhe fazia a pergunta: - Amorzinho da mamãe! Qual dessas roupinhas você usou quando chegou nesse nosso mundo de Nosso Senhor? A criança, se fosse realmente um adivinho, apontaria a peça que teria usado no primeiro dia de vida. Infelizmente, a minha querida mamãe não procedeu comigo dessa forma. Quando chorei pela primeira vez, ela ficou tão assustada, que correu logo a contar a novidade para todo mundo. Contou tudinho, tintim por tintim. Ao invés de nascer adivinhão, nasci enrolado. Então, foi a vez de entrar em cena a mãe Vitalina, parteira que me colocou o nome de Raimundo, pois quem nasce enrolado, tem que se chamar Raimundo, senão não vai ter sorte na vida. Gente, pelo amor de Deus, acredite nisso! Eu tenho muita sorte. A coisa funciona mesmo. Só para abrilhantar um pouco mais, eu sou um daqueles fisicamente tido como feio e minha sorte é imensa que só arrumo namoradas lindas, belas e inteligentes. É ou não é muita sorte?
Deixando de lado os causos e retornando ao tema, Bidu, após muita labuta da minha mãe, resolveu vender as terras do norte. Passou a direção da Fazenda Jussara para a minha mãe e foi-se. Após bastante tempo, retornou. Chegou a casa ao escurecer, fez aquela esparramação toda que lhe era peculiar, jogou dois travesseiros enormes e encardidos num canto, ajeitou-se com toda a família, e depois do jantar, danou-se a contar as suas histórias. Como nada falava sobre a venda das fazendas, minha mãe indagou a respeito. Então, deu um pulo e agarrou o primeiro travesseiro e com o seu canivetão de picar fumo, rasgou o saco e despejou no meio da casa aquela enormidade de dinheiro. Minha mãe assombrada com tudo aquilo perguntou:
- Mas que diabos é isso?
- É a venda das fazendas, minha veia. E ali tem mais - apontou para o outro travesseiro.
- Mas você é doido, ôme? Como é que anda por aí com tanto dinheiro sujeito a ser morto?
- Que nada, minha veia! Peguei a dinheirama, comprei dois saco, dividi, botei dentro e costurei. Depois fiz de almofada para sentar em riba, no pau-de-arara. Ninguém nunca ia desconfiar, como num desconfiou! A viagem todinha dei uma de besta! Jogava os travesseiros pra lá e pra cá, sem tomar nenhum cuidado. Quem ia achar que tudinho ali era dinheiro? Ninguém. E agora tá aí, ó! - e mostrava o dinheiro todo feliz.
Bidu sempre teve medo dos “Maki-umbas”, espíritos noturnos, mas não era só deles não, ele tinha mesmo era medo de tudo. Não entrava na mata sem uma capa de fumo, um dente de alho e um pedaço de pano vermelho. Dizia ele que era para enganar a “Caipora”, porque senão ela o levava para o zóio da mata e num vortava mais nunca.
Ele também tinha o hábito, quando ia mexer com dinheiro grande, de mandar minha mãe cozer por dentro da sua ceroula um bolso falso, onde pudesse guardar o dinheiro e junto ele colocava uma capa de fumo, um dente de alho e a fita vermelha. Dizia ele que aquela simpatia era muito forte, pois, além de espantar Caipora ainda servia para afastar ladrão.
Particularmente, acho que Bidu era mesmo Macumbeiro e não sabia.