Nem depois de morto
Dias destes estávamos em uma rodinha, comentando vários assuntos, quando alguém se pronunciou sobre as injustiças cometidas contra certas pessoas, que só são homenageadas depois que morrem. Todos concordaram com a colocação feita pelo colega.
Realmente as pessoas deveriam ser homenageadas quando ainda vivas. Para que homenagens depois que se está a sete palmos de profundidade. O cara não vai presenciar bulufa alguma. Não vai receber nem um tapinha nas costas, nem vai ler nenhum comentário no recanto das letras feito por algum poeta que admirava o seu trabalho. Então prá que homenagens depois que o cara virou presunto.
O que se tem que fazer que seja feito em vida. Depois de morto eu quero mais é que se ferre a corneta do corneteiro.
Estávamos para bater o martelo, com o parecer unânime de todos sobre esse assunto, quando o Alfredinho, quase 80 anos sobre o esqueleto, "véio" maloqueiro como ele só, que apesar da idade, ainda curte bailes ali no "Carinhoso", "Cartola”, e "Casa do Sargento", salões famosos da paulicéia desvairada, se pronunciou ao contrário. Pedimos então que ele nos esclarecesse o motivo da sua discordância.
O Alfredinho com aquele seu jeitão sossegado, e com aquele sotaque meio italianado, começou a explicar o porquê de não concordar com os demais:
----Suponhamos que de repente, alguém da nossa comunidade, resolva fazer um movimento em prol da aprovação, na câmara dos vereadores, para que a nossa rua receba o nome do padre da nossa paróquia. Até ai tudo bem. O religioso ainda está vivo e o projeto foi aprovado. No dia da festa aparece uma banda tocando uns dobrados, rojões pra tudo quanto é lado e um monte de político querendo se aparecer. O padre sobe lá no palanque faz um discurso, o subprefeito faz outro, arma-se um puta de um auê, ai vai todo mundo dar tapinhas em suas costas e cumprimentá-lo. Certo?
----Certo! --concordamos com o Alfredinho.
----Pois bem... Depois de alguns meses, após essas frescuradas todas, acontece o que? Descobrem que o padre está envolvido com pedofilia! Pronto é jornal, televisão, rádio, internet e mais uma porrada de coisa. Resumindo... É assunto pra mais de mês!... E ai???
----Porra Alfredinho... Sabe que eu não tinha pensado nisso! - Exclamei, com certa surpresa!
----Não, né! Então vou te dar outro exemplo. Tem um monte de vereador ai, puxa-saco que só a porra, que de repente resolve mudar o nome da praça das laranjeiras não sei lá das quantas, de algum lugar qualquer da periferia, só para agradar algum juiz famoso, montado na bufunfa, dando ao logradouro o nome do figurão. E da mesma maneira, que aconteceu com o padre, acontece também com esse juiz. Aquela festança toda, enfeitam o pavão de tudo quanto é jeito, e ai, depois de alguns meses descobrem que o safado está envolvido com um monte de coisa errada. Já pensou que baita desconforto; morar em uma praça onde a pessoa que lhe emprestou o nome é na verdade um puta de um salafrário!
E realmente, no final, todos acabaram por concordar com o Alfredinho. È melhor esperar o cara morrer para se ter a certeza que ele não vai aprontar nenhuma cagada depois de homenageado.
O Joel, após concordar com o Alfredinho, brincou com ele:
----Nós estávamos pensando em por o seu nome aqui na nossa rua, mas pensando bem é melhor esperar você morrer primeiro. Vai que a gente faz uma tremenda de uma festa em sua homenagem, e depois de alguns meses pegam você dando o rabo ai pra alguém! Já pensou que mancada?
----Ehhh! Sai prá lá! Aqui não, meu! -- Esbravejou o Alfredinho.
----Sei lá! Dizem que o tesão nunca acaba, ele só muda de lugar!
----È, mais aqui não vai mudar não! Pode tirar o seu Cavalinho da
chuva! Aqui... Meu filho... Nem depois de morto!
Depois de muita risada, mudamos de assunto e continuamos a conversa.