MÃE PRETA VERÍSSIMA

MÃE PRETA VERÍSSIMA

Eduardo Mendonça

-UMA HISTÓRIA REAL-

Estávamos no ano de 1972.

Era uma noite quente de Agosto.

Era mais ou menos meia-noite. Acordei assustado.

Eu estava sonhando com a minha escola.

Estava nervoso, porque, no outro dia,

era final de semana e era dia da lição final.

Eu dormia preocupado com a aula.

A professora Maria de Lala era exigente.

E, por causa da sua exigência, aprendi um pouco.

Eu não sabia toda a lição.

Era um texto difícil para ser interpretado.

Eu era um dos alunos mais fracos naquela época.

3a. série primária...Quanta lembrança!

Quanta saudade da minha turma!

Pois bem, acordei e sentei-me na porta da rua.

De repente, olhando para o lado, vi um clarão.

A cena que presenciei, nunca mais saiu da minha mente:

“Era uma luz de lampião á gás.

A Rua Juracy deserta

e somente aquela luz acesa. Estranho...

Àquela hora, naquele tempo, era noite velha,

como dizia minha saudosa avó Ana.

Já era de madrugada, todo mundo estava dormindo.

Fui ver, subir mais um pouco e me aproximei.

O clarão vinha da casa da saudosa Veríssima.

A janela aberta, um monte de roupa ao lado

e ela cochilando. Talvez, cansada pela luta diária.

Devagarzinho puxei a janela, mas a madeira rangeu.

Ela levantou assustada perguntando quem era.

Ao me ver, sorriu e disse:

Oh! Meu filho, você aqui há esta hora?

O que foi? Foi vó Ana que piorou?

(Naquele tempo minha avó estava muito doente

e veio a falecer no dia 13 de Novembro do mesmo ano),

não, dona Veríssima, eu fiquei preocupado,

vi a janela aberta e a senhora dormindo,

pensei em fechar a janela.

Lembro-me que ela levou-me de volta à minha casa.

Obrigado meu filho, Deus te abençõe, eu já vou dormir.

Agradeceu-me com a mesma humildade

das pretas abençoadas da minha terra.

Entrei no meu quarto, meu avô perguntou o que foi

e disse pra ele que não era nada, só estava sem sono.

Não dormir direito naquela noite. E lição me preocupava.

Mas, ali, solitário, ouvindo o cri, cri, cri dos grilos,

fiquei pensativo e lembrando da vida daquela pobre senhora.

Uma pobre sem eira e nem beira e,

tinha a pesar-lhe sobre os ombros os encargos de lavar e passar.

Ela lavava e passava roupas para a família de tia Diza

e da dona Lia de Jaime Cunha.

Uma pobre mãe solitária, sofrida,

que ganhava a vida lavando roupas no lajedo do açude

e passando-as nas madrugadas da vida,

que padecia pela falta do único filho.

Naquele tempo, seu filho tinha ido embora,

há mais ou menos 15 anos. E nunca mais mandou notícias.

A irmã Duda, que ainda hoje vive,

era quem lhe dava um pouco de alegria.

Tia Diza, Tia Ota, Dona Lia de Jaime eram suas protetoras.

Jamais faltaram comida e carinho para aquela pobre mãe preta.

Dona Veríssima tinha um coração de ouro.

Vivia sorridente, fazia brincadeiras para nós, crianças da época.

Era uma preta velha de um coração rico de amor e carinho.

Sinto a sua falta, como sinto da minha avó e da minha mãe.

Ficava a pensar naquela velha sofrida e o sono não chegava.

Como uma mãe, que tinha aqueles afazeres todos os dias,

uma vida carregada de amarguras e sofrimentos,

poderia amanhecer tão alegre, cantando a toda altura em seu quintal?

Da minha casa eu ouvia suas gargalhadas e sua voz aguda e vibrante

quase todos os dias, ao amanhecer.

Tinha eu, então 11 anos de idade,

o suficiente para não esquecer um espetáculo tão belo,

uma história de vida exemplar,

mesmo com seu conteúdo trágico e pesaroso.

Cresci, tornei-me homem e na minha lembrança

guardo a certeza de que aprendi muito com aquela pobre anciã.

Lúcida, esbelta, sorridente, bem humorada,

era uma das pretas mais queridas da nossa terra.

Hoje, tantos anos depois, aquela cena jamais esqueci:

A janela aberta, meia-noite, um lampião à gás aceso

e uma guerreira dormindo por sobre a mesa com roupas.

Ali eu presenciei uma cena heróica. Histórica.

Esta mãe foi uma heroína, por tudo que viveu e sofreu.

Não bastasse o abandono do filho, ainda carecia de bens materiais.

Não tinha luxo, sua casa era simples e dentro dela

lembro-me que tinham dois bancos de madeira,

quatro tamboretes, duas cadeiras com cordas,

uma “cristaleira velha”, uma penteadeira,

umas caixas de papelão, alguns quadros de santos,

um fogão à lenha, uma mesa de madeira

e uma cama com colchão com folhas secas de bananeira.

Mas dentro daquela casa parecia que morava a mãe mais rica,

a mãe mais alegre de todas as mães que conheci por esta vida.

Quero me despedi, porque esta foi mais uma crônica

que escrevi com lágrimas nos olhos.

São lágrimas de saudade...

Saudade daquela mãe preta querida,

de uma pobre senhora, que não tendo filhos,

oferecia seu colo amigo aos filhos dos outros.

Eu fui um destes filhos. Deitei muito em seu colo,

ouvindo suas histórias por sobre as calçadas da minha rua.

Dona Duda, sua irmã querida, que vive ainda hoje,

serve-me de remédio, ela me ajuda a amenizar a saudade.

Sempre vou lhe visitar para ver como está sua saúde

e lhe dar um abraço, porque ela me lembra Veríssima.

Eu sinto a falta daquela preta bondosa e feliz...

Eu sinto a falta do cheiro dela, da risada dela, das histórias dela...

Eu sinto a falta daquela vida simples, do afeto, do carinho,

do aconchego daquela mãe preta querida da Rua Juracy´.

Eduardo Mendonça
Enviado por Eduardo Mendonça em 13/10/2008
Código do texto: T1227086