O galo da discórdia:

Não conheci meu avô Luiz. Quando ele se foi para o outro lado eu nem era nascido. Mas, as histórias contadas por minha mãe e tias são muitas e eu adoro ouvir e imaginar o quanto teria sido bom se o tivesse conhecido. Meu avô era de bem com o mundo. Só brigava mesmo era com minha vó Maria. E, só por bobagens do tipo “ir ali” no sábado pela manhã e só chegar em casa na madrugada de segunda feira para trocar de chapéu e sair pro trabalho. E como ele chegava sempre em cima da hora a briga era sempre curta. Mas num dia meu avô exagerou. Era uma sexta feira e ele, como sempre, saiu para o trabalho dentro do seu terno branco e chapéu panamá. É, o Sr. Luiz era elegante, mas naquela sexta feira minha avó Maria achou que ele estava meio que elegante demais. E lá se foi ele, com seu passo firme e o sorriso largo debaixo do vasto bigode preto. A noite chegou sozinha na casa da vovó. Sem o vô Luiz. O sol bateu à porta, também desacompanhado; nada do vô Luiz. Bisa Mariquinha propôs que se fizesse uma missa para pedir a volta do filho querido, proposta recusada de imediato pela vó Maria com um argumento simples e irrefutável. - Não rezei para que ele desaparecesse. E nessa espera chegou o domingo, ensolarado, lindo. Na hora do almoço vó Maria caprichou. Feijão com carne seca, frango com quiabo e couve com torresmos - pratos favoritos de vó Luiz. Bisa Mariquinha fez bico, resmungou que era maldade pois o filho querido não estava presente. Vó Maria sorriu filosoficamente e disse com toda pompa: - Pois é....- Já era três de amanhã de segunda feira quando a porta da frente deu um leve rangido e, eis que surge, finalmente, a figura elegante do vô Luiz, andando com *pés de passarinho para não acordar ninguém, principalmente a vó Maria. Mas, qual. Foi entrar no quarto e ouviu a frase: - Bonito, Sr. Luiz. Três horas da manhã. Sabia que o galo do vizinho já cantou três vezes?. Vô Luiz sorriu o seu sorriso mais complacente, ajeitou o chapéu nas costas da cadeira e respondeu baixinho. - Cheguei cedo, Maria. E que culpa tenho eu se o galo do vizinho é doido?. Ajeitou com carinho o chapéu no espaldar da cadeira, deitou e dormiu o sono dos justos.

*pés de passarinho é uma frase genial que define a leveza de um caminhar. Infelizmente não é minha frase, apenas a peguei emprestado do belíssimo compositor São Beto.