Amor bandido
A mulher limpava a casa e a filha brincava ainda no quarto; era de manhã. O homem destravou o portão do muro baixo e entrou sem esforço. Homem magro, barba por fazer, olhos vidrados, foi-se chegando, dizendo que não ia machucar, a mulher disse que concordava, mas que antes ele tinha de ir com ela à cadeia porque o marido estava lá e ela levaria o pão na visita semanal. O homem concordou. A menina chegou quase sem susto, entendeu a piscada da mãe e confiou nela. Andaram oito longas quadras e chegaram. Lá a mulher mudou de figura e despejou todo o seu medo. Ela não vinha visitar marido nenhum, não tinha marido e vira o pai da menina só uma vez. Aquilo era uma tentativa de estupro , mas ela conseguira convencer o homem a ir com ela até lá. A mulher chorava e a menina agarrava-se à saia da mãe a ver os acontecimentos. Os policiais disseram , para o desespero da mulher,que não havia ali nenhum delito. Fizeram uma esparrela enxotando o homem com um palavreado chulo enquanto a mulher, vencida, esperava que eles se voltassem a ela.
_ E a senhora trate de ir para casa e não ficar seduzindo fiasco de estuprador.
Agora ela era a acusada! Continuou a chorar, dizendo que não voltava pra casa com a menina; tinha medo que o maluco voltasse por lá. Quem fazia uma vez, ia tentar de novo e ela não estava pra isso, ia morrer de susto e desgosto se ele aparecesse por lá novamente.
Os homens largaram o joguinho e um deles foi levar as duas para casa no carro da polícia. A princípio a mulher não queria entrar no carro, tinha vergonha dos vizinhos, mas depois conformou-se: que vizinhos tinha ela, se ninguém lhe prestava atenção e lhe dava bom dia? Morava numa casa barata que conseguira na locadora para não ser paradeiro de malandros ou andarilhos. Por lá só havia edifícios, um casarão muito antigo na esquina, que diziam mal assombrado, o boteco onde ela comprava óleo, farinha e açúcar às xícaras. Ninguém a conhecia por lá, e o seu trabalho era nos bairros, cortando cabelo, fazendo unhas, reformas e consertos de roupas nas casas. Em casa, o quintal estava cheio de mato até à porta da cozinha; não tinha tempo de sobra para nada, a não ser levar a menina para a escola todas as tardes antes de recomeçar o trabalho após o almoço minguado com a menina.
Entrou no carro e foi-se. Ainda agradeceu o policial pela benfeitoria.
Passado um mês do episódio, estava ela aprontando- se para buscar a filha que dormira na casa da irmã com a priminha da mesma idade. Desencostava mesa e cadeiras da porta da sala e tirava paus das pequenas janelas que improvisara para prevenirem-se de novas investidas. Penteava-se quando enxergou no espelho aquela mesma silhueta. Começou a chorar. Os mesmos olhos vidrados estavam fixos nela outra vez; ele não queria machucar. Ela não colocou resistência por medo e sentimento de inutilidade. Quando o homem acabou tudo aquilo e saiu sem muita pressa, ela apressou-se para buscar a filha, ocultando o caso da irmã. Mais uns dias, a mesma coisa. Novamente o homem abotoou-se, saiu, mas voltou em seguida com uma trouxa pequena; era a sua mudança. Explicou à mulher que gostara dela, pedia desculpas, as coisas não iam mais acontecer daquele jeito. Naquele primeiro dia ele estava transtornado com o sumiço e abandono da companheira. Achava que tinha sido melhor assim; ele era homem direito; ela esperasse um pouco que ele conseguiria se aprumar. Aí foi que perguntaram-se os nomes. À tarde daquele dia a mulher só levou a filha para a escola e voltou para remendar, cerzir e ferver roupas. Também aparou cabelo e barba daquele que tinha vindo para ficar. Ele limpou o mato do quintal e comeu faminto o pão que a mulher deixou sobre a mesa. Depois ela mandou que ele fosse tomar banho.
À tarde a menina queria saber se aquele não era o homem que fora com elas à polícia; a mãe explicou-se como pôde. De lá mudaram-se quando venceu o contrato e a casa ia ser demolida. Foram para um bairro mais próximo à escola da menina e do supermercado que estavam construindo, onde um auxiliar de construção foi contratado com carteira assinada.