UM PÚBIS INCOMPARÁVEL

Por Deus, me façam favor, não insistam que decline quem foi a tal delineada moça – quem ela é, no jogo da vida, nem que nome tem –, pois, mui felizmente, ainda hoje tem existência saudável. E está vivinha da silva, na minha memória, a verdadeira dona do nome de L. Apenas vive alhures, recatada, modo que lhe causou a viuvez.

L é só L, sem floreio, assim mesmo, esta letrinha lasciva, tão-somente L. Jamais direi a graça, por inteiro, da mulher que me botou um sísmico de alta rotação e comoção na seara da alma. Certamente aquilo foi o meu primeiro alumbramento de macho.

Não; ela não é Lurdes, nem Lúcia e nem Lucila. Também não Ludmila. Tampouco se diz Luísa, Luma, Lícia, Letícia, Lília, Liduína ou Luana. Lavínia, de jeito nenhum! Esta é a musa de todos nós, bichos terrenos e mortais, cobaias do cinema e das novelas da tevê.

Tenham dó, me poupem... Não queiram adivinhar o epíteto de L; ela nem existe no terreno vocabular e semântico de qualquer idioma vivo.

Era eu ainda bastante verdoso na idade, talvez utilitário demais pelas afinidades, também pelo balanço discutível de “bom menino” Um magricela, na verdade, que só servia para ser pajem da parentalha, mormente pajem de moça-donzela, enfim, pajem do mulherio. Talvez estivesse beirando, ali, na época, uns meus sete ou oito anos.

Em companhia da mesma donzela, de nome L, esta e eu fazíamos viagem matinal de visitação à morada de uma sua irmã, irmã lá da dita boniteza, isto noutra freguesia de léguas além.

Pois íamos nós, eu bem fagueiro, e, à passagem de um riacho empanzinado – era quase rio, e rio vazante –, eu a vi, sim senhor, toda em pelo, o vestido ao ar, bem à medida dos peitos.

Corpo deslumbrante, tudo aquilo visto. E que espetáculo de um púbis incomparável, topografia de uma figura geométrica em realce, mata escura, embora esse termo “púbis” ainda não fizesse parte do meu universo vocabular.

Vislumbrei aquele desfiladeiro em preto e branco, geografia triangular, e, oh, que divino instante de êxtase, algo indizível, sem nome certo, indescritível! Pasmo, pois, me fiquei, eletrizado, enfeitiçado pela serpente, Eva carnal, mas somente por uns segundos.

Acreditem: no relance de um instante, quedei-me um século, como se perante uma deusa greco-latina. E ela, moreneza de moça, mais para jambo e canela, sem se dar conta, diva carnal e monumental, em seu altar-mor, esplendorosa. Foi como se eu me petrificasse, diante do fascínio do Belo, este mágico ideal somente palpável na imaginação dos poetas e estetas.

Cena real, e muito de veras, de fato isto que narro me aconteceu. Porque a mim me foi dado o privilégio, a cena eu a contemplei com o frenesi inocente e natural da puberdade, lá em tempos de menino ainda miúdo.

Nada de potoca nem lorota ficcional, não é não. De jeito nenhum é invencionice minha, nem ficção de arquiteto de livros. Tantos anos depois, no momento em que vos falo, ainda hoje, agorinha, meus olhos flamejam setas de cintilação, embora já sem parte do fulgor daqueles idos.

Mas, creiam: ao lembrar-me daquele telão de púbis sobre o corpo escultural da bela fêmea, tevê ao vivo, arabescos lindos da arte, ainda assim, longe, no tempo, meus olhos míopes chispam línguas de fogo, faíscam larvas de vulcão.

Só que fato engraçado, “causo” bem curioso, e ninguém vá se rir desta confidência: daquela imagem – sem lascívia – que ficou indelével, cá, na minha pupila, nenhum laivo de concupiscência, porque os meninos do ontem não eram acometidos de maldade nem de enxerimento.

Meu pai dava a fórmula do bom viver, quando um bicho miúdo apreciava o carteado dos adultos: “– Peru calado ganha um cruzado”.

Aquilo tudo – o cenário visto, ao cruzar do rio de barriga cheia – foi um sonho, ora se não foi! Apenas amostra gratuita e provocativa, possivelmente, sim, ensaio de um dos meus raros e primeiros lampejos da sexualidade.

Fort., 09/10/2008

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 09/10/2008
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