Minha aldeia

Canto de pássaros raros. Vegetações com tons de verde nunca vistos por meus olhos. A água que tem sabor e cheiro, mas não tem cor que é fria e aquece a alma!

Montanhas imensas, trilhas virgens, seres livres, inocência consciente, maturidade controlada.

Este é o local onde vivo, uma cidade pequena, atrasada para alguns, perfeita para mim e que mais parece o mundo todo. Chego a dizer que se assemelharia a um outro universo até tamanha a sua dicotomia de tudo que conheci desde que nasci.

Eu tinha dois anos quando fui expulsa de minha terra. Não foi de forma verbalizada, não, eu senti como se fosse um aborto, não me sentia mais bem vinda nem completa lá.

Não reclamo. Nasci naquele lugar e lá aprendi a falar, cantar e me proteger do perigo e dos danos que os próprios seres de minha espécie podiam me causar.

Entretanto, quando comecei a ser crítica e a pensar, ouvi seu “não” e percebi que não deveria mais existir ali, na grande metrópole, e queria morrer de forma bucolizada e feliz.

Quando completei 18 anos fiz minha primeira viagem à Montanha Mágica e descobri nela as raízes de meu ser.

Conseguia respirar melhor, enxergar todas as cores do mundo, ouvir sons nunca sequer imaginados!

Ao voltar para minha megalópole adoeci de saudade. Não podia mais contribuir com nada para a terra que nasci, queria ser como os nativos da montanha, me aproximar dela, ser a pedra, correr com as águas e ter meus sonhos e desejos altos como o vôo dos pássaros...

Inferno. Loucura. Quase morri.

A saudade é um sentimento que traz tantos outros...

Já não era mais possível ser eu mesma, aliás, nunca tinha sido... Eu apenas vestia uma máscara social.

Pode então acontecer nascer em local errado? O que sei é que me reconheci aqui e se antes de nascer eu tivesse que escolher onde nascer, por certo seria na montanha. Ela é mágica, me capturou, me deixou doente e me salvou.

Abandonei tudo para estar onde queria estar: os bens materiais, os amigos, emprego e a família.

É bem sabido que tudo tem um preço, no meu caso fui recompensada, pois aos poucos fiz amigos novos, respirando a todo o momento os pensamentos e a paz deste lugar.

Conheci tanta gente, mas existe uma destas que nunca esquecerei: Alice, uma senhora de cerca de 70 anos mais ou menos, embora sempre com um sorriso de criança no rosto branco e calmo.

Esta mulher me ensinou como respeitar a terra e a natureza de todo o lugar do planeta. Com ela aprendi que posso estar em todo lugar e ter o espírito da Terra junto de mim e sentir a paz que tanto procurei.

Alice me deu um cristal e dizia que o pegara quando seu companheiro trabalhava na pedreira. Acreditem se quiser, as pedreiras destruíam este lugar, sem controle e sem se importar com a natureza. Porém Alice conseguiu convencer a todos os moradores de sua sabedoria e da importância da nossa terra (que inclusive todos nós deveríamos saber) e todos os moradores tiveram idéias magníficas de trabalho e não escravizaram mais a si mesmos e a natureza com o passado predador.

A montanha foi se refazendo, as pessoas melhorando de saúde e eu envelhecendo.

De repente ninguém mais ouviu nem viu Alice. Alguns dizem que ela era um anjo e partiu para as estrelas e de lá inspira a todos os moradores da Montanha Mágica.

Eu não sei... Só sei que sinto saudades dela. Queria saber dela mais uma vez, a última que fosse. Ela não se despediu de mim.

Sei que estou cansada, mesmo assim subi no topo da montanha hoje e não me lembro que horas desci. O Sol está forte, mas sinto frio. Tenho gravado na retina as paisagens daqui, os sons, as cores... A paz...

Alguém bate à minha porta. Estou só. Levanto-me com dificuldade. Caio no chão. Quero abrir a porta. - não consigo. - Tudo gira. Estou velha e cansada...

Mas a pessoa consegue abrir a porta, me segura firmemente em seus braços fortes e sorri. É ela! As minhas preces sempre são atendidas! Era Alice! Que bom te rever amiga! Tantas coisas tenho para te contar...

Ela me levantou e seguimos caminhando em direção às águas. E eu podia andar sobre elas!

De mim ninguém mais ouviu falar. Você já ouve? Chamo-me Estela, a louca que largou sua vida para morrer bucolicamente feliz!

(Emilia Ract)

Emilia Ract
Enviado por Emilia Ract em 07/10/2008
Código do texto: T1216847
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