Um mago e um assassino.
A reunião fora realizada às pressas, cinco membros de uma das menores casas de magia da cidade foram convidados para expor suas condições em troca de apoiarem a unificação. Reuniram-se em um clube que lembrava muito os clubes noturnos de Londres; na mesa de formato oval forrada com veludo verde se sentaram Donovam e os outros. Sobre a mesa também estavam colocadas garrafas de vinho e taças para cada um dos presentes, dois homens ficaram encarregados de manter as portas seguras contra a entrada de qualquer pessoa que desejasse aparecer sem ser convidada.
As paredes possuíam forração acústica, pois as conversas costumavam ser bem acaloradas, muito embora não fosse aquele e caso.
Donovam fez um sinal com a mão e outros dois homens surgiram trazendo aperitivos em bandejas de prata, obviamente encheria os rivais de mimo e tentaria conquistar sua confiança antes de fazer suas jogadas. Os homens serviram aos cinco convidados, Donovam Draek também se serviu, degustando o vinho logo em seguida.
_ O que? Não tem outra bebida? _ protestou um deles.
Era um indivíduo baixo careca e de porte físico avantajado, usava camiseta de cor preta com algum nome de banda de rock; no pulso uma espécie de corrente prateada muito grossa combinando com outra em seu pescoço.
Donovam fez um segundo sinal e os indivíduos que os serviam deixaram a sala, os seguranças permaneceriam do lado de fora. A porta foi trancada
_Sinto muito, mas não costumo servir bebidas que não considero dignas de momentos como este_ iniciou Donovam.
Beberam o vinho mesmo.
Um dos que estavam sentados se pronunciou de modo ríspido dizendo:
_ Nenhum de nós concorda com essas suas idéias, na verdade quero deixar claro que estamos totalmente contra tudo isso. Onde já se viu? Tentar deliberadamente tomar o controle de tudo, de toda a cidade.
Outro começou a falar no instante que o primeiro parou:
_ Assumiremos uma postura contraria a sua diante de todos no conselho, ficaremos ao lado do mestre espanhol, prezamos a liberdade.
Aqueles cinco homens na verdade não representavam nenhuma barreira política, não possuíam representatividade junto aos mais entendidos, porém eram capazes de fazer muito bem duas coisas; primeiro: barulho. Eles e seus seguidores, não possuíam nenhum conhecimento das artes mágicas, mas eram mantidos como um pequeno apêndice da ordem somente para realizar trabalhos sujos, no mais puro estilo “máfia italiana”, trabalhos esses em que os magos não podiam ser envolvidos, eles eram baderneiros de primeiríssima linha. A segunda coisa que sabiam fazer bem era justamente o trabalho sujo; aquelas pessoas eram capazes de por meio de seu conhecimento da cidade e até mesmo de outras cidades, achar praticamente qualquer ser humano e eliminá-lo sem deixar rastros, ou seja, eram um grupo de assassinos.
Donovam não se importaria de confrontá-los em um conselho, mas não podia deixar que eles tomassem partido da vertente de Cortez, seu inimigo declarado, isso poderia causar um estardalhaço maior do que qualquer outra coisa, porque com certeza sairiam divulgando as idéias de seu rival e semeando mesmo sem saber ao certo o que realmente significavam; em Ottawa isso não seria um problema tão ruim, visto que todas as casas de magia do fogo já haviam se unificado pelas mãos de Alam, discípulo de Donovam, mas nas outras cidades como Montreal, Vancouver e fora dos muros do país, os berros sem sentido daquele grupo de assassinos cairia como uma bomba, dando força a outros levantes e por fim uma rebelião. Desvantagens de um mundo cada vez mais globalizado.
_ Senhores_ recomeçou o anfitrião, fazendo com as mãos o sinal para que todos se acalmassem._ Tenho certeza de que vamos nos entender hoje, tenho uma proposta irrecusável para todos e que será muito boa para ambas às partes.
Um terceiro dos assassinos olhava constantemente para os lados e ao redor, obviamente não confiava no pequeno cômodo designado para aquela reunião, às paredes pareciam muito juntas e o teto de igual modo chegava a ser claustrofóbico. Depois de estudar todo o ambiente ao seu redor esse mesmo homem perguntou:
_ Por que o seu pupilo não está aqui, existe um boato correndo nas ruas, dizendo que ele não está mais como seu aluno. O que aconteceu na verdade?
_ O jovem arauto está apenas confuso, nada mais, eu lhe dei alguns dias para descansar. Tivemos uma pequena rusga, mas nada sério talvez vocês ainda o encontrem antes de concluirmos este negócio.
O aluno de Donovam era uma pessoa que todos os que de alguma forma estavam ligados à ordem aprenderam a respeitar, primeiro porque ele nunca tentou lhes impor a filosofia de seu mentor, mas tentava sempre encontrar um meio termo onde todos fossem beneficiados, é claro que esse procedimento não era muito bem visto pelos mais antigos que não estavam acostumados a fazer concessões. O próprio Donovam poderia também agir dessa maneira, mas sua falta de paciência em decorrência de querer logo subir ao trono não permitia.
_ Não temam, o arauto em breve estará com vocês_ assegurou-lhes.
Os assassinos não gostavam de Draek, ele não era um homem comum, era o mais próximo que um homem poderia chegar da corrupção absoluta sem se tornar outra coisa nefasta; os olhos do mago eram penetrantes, pareciam vasculhar o interior das pessoas e com todo aquele ar aristocrata, na verdade muitos achavam que ele não passava de um “almofadinha”. Não era o caso, os cinco assassinos sabiam que um único descuido seria letal, e só aceitaram se encontrar com ele porque lhes foi permitido ficar armados dentro da sala e seriam cinco contra um caso ele tentasse fazer algo, todos os cinco estavam armados, mas mantinhas suas ramas na cintura para que o já pesado ar ainda não ficasse mais hostil desnecessariamente. As lendas diziam que mesmo que fossem dez homens ainda teriam dificuldade em dominá-lo, mas nunca creram nas conversas que se dizia nas ruas.
_Então senhores vamos fazer negócio?
_Diga o que você tem em mente_ falou um dos assassinos.
Donovam passou as mãos sobre a face antes de continuar.
_ É muito simples, foi um tanto quanto difícil reunir vocês para essa conversa; portanto quero ir direto ao ponto. Quero contratar vocês para um serviço rápido e sem muito estardalhaço, em seguida prometo que considerarei deixá-los livres para fazer o que bem
entenderem contanto que se submetam ao meu comando. Simples.
Quando o assassino careca tentou dizer algo em protesto, não conseguiu, sua voz não saiu, sua garganta estava queimando. Outro deles colocou as mãos sobre a mesa, pois estava sentindo-se mal, a sala estava girando lentamente, mas a velocidade aumentava a cada segundo.
Um terceiro conseguiu forçar a voz e pronunciar palavras com muita dificuldade:
_O que você esta fazendo conosco!?
Donovam acompanhava o sofrimento silencioso dos cinco homens a sua frente com um ar de felicidade no rosto.
_ Estou impressionado_ disse_ Quando li sobre esse veneno não pensei que fosse tão potente a ponto de agir em pouquíssimo tempo, mas é provável que sua ação tenha sido potencializada pelo vinho.
O mestre mago apoiou o cotovelo direito sobre a mesa e com o punho fechado repousou o queixo sobre os dedos indicador e polegar como se estes formassem um suporte perfeito para sua face. Olhava fixamente para as expressões de dor de seus oponentes.
Ele continuou falando:
_ Eis aqui um assassino muito mais eficaz do que qualquer uma arma que o homem possa ter concebido, uma mistura perfeita entre a beleza e a leveza do vinho, combinada a agressividade de um veneno antigo e tão simples de preparar que até mesmo um leigo poderia fazer.
Um dos homens caiu da cadeira e sumiu da vista dos outros, seu corpo estava paralisado no chão e os músculos não respondiam a nenhuma vontade dele.
_ No princípio é aquele paladar aveludado e o fabuloso gosto das frutas vermelhas cultivadas em Bordeaux, a cor escarlate, forte como se fosse sangue mostra a presença de espírito que ele tem. Depois vem a tontura, a falta de fala e de ar, seguida por uma paralisia muscular e uma gradativa perda de consciência até que venha o fim.
Outro daqueles que estavam sobre o efeito do veneno tombou sobre a mesa e ali ficou respirando ofegante como se lutando para manter o ar entrando e saindo dos pulmões.
Donovam parecia se deliciar com a cena que se configurara em sua frente, homens lutando pela vida e sendo derrotados.
_ Vocês não pensaram que eu seria tão tolo de perdoá-los por não serem fiéis a mim quando tiveram chance, agora vocês não são mais nada. Tenham uma boa viagem.
Levantou-se e endireitou sua gravata no colarinho, em seguida saiu da pequenina sala deixando as suas vítimas sendo abatidas pelo veneno que lentamente os consumiria.
Este texto é na verdade o sétimo capítulo do meu livro-blog "Cruz de fogo", que ainda está em produção. Quem quiser ler mais sobre essa história; o endereço é:
http://livrocruzdefogo.blogspot.com/2008/07/sinopse.html