Bilbo

Bilbo

Tinha um poodle, o meu vizinho. O poddle era até engraçadinho, mas nunca gostei de poddles. Sei lá que diabo de espécie é essa? Cachorro é que não é. Porque se for, como costumam dizer por aí, eu diria que é um puta amigo chato, ou quem sabe até inimigo. Essa história de “melhor amigo do homem” ou “companheiro fiel” não cabe pra ele. O serzinho é chato, rabugento e cheio de vontades e manias. Um verdadeiro velho vestido de Gremilins!

Pois bem, meu vizinho tinha um poodle. E eu tenho dois rottweilers. Os dois, forte, bem definidos, com uma estrutura um tanto agressiva e que sempre foram, antes de mais nada, companheiros fiéis. Até mesmo em relação a essa leve antipatia pelo “cão” alheio.

Todos os dias os três trocavam insultos, e como constantemente o pequeno branquelo conseguia passar pelas barras do seu portão, acreditava gozar de uma vantagem que os outros dois não poderiam experimentar. Ser dono da rua, do bairro, e quem sabe do planeta, pois a pestezinha latia feito um condenado, ciscava o chão como um galo de briga e inchava o peito mostrando o sue poderio. É claro que eu sempre pensava que aquilo ia dar um merda, e até torcia um pouco pro antipático se ferrar.

Fato é que um dia chego em casa e vejo meus pupilos brincando com uma bola de pêlos branca. Joga pra cá, joga pra lá, e eu, da cozinha, não conseguia identificar que raio de brinquedo era aquele que eles haviam achado. Pensei nos brinquedos dos meus sobrinhos, mas já fazia pelo menos três semanas que eles não me visitavam e o jardineiro já tinha limpado o quintal.

A brincadeira tava boa. Disputavam com voracidade aquela coisa branca, e de vez em quando quase brigavam. Fiquei meio bolado e resolvi verificar o material. Pra minha surpresa e quase desmaio, descobri que a bola de pêlos era o poodle do vizinho. O tal de Bilbo. Bilbo! “Isso” era nome de cachorro? De cachorro é que não é, mas como aquilo não era um cachorro, “isso” era o nome daquilo.

A peste tinha inventado de entrar no meu quintal e morrer aqui. Logo aqui, na boca dos meus cães! Me senti culpado por saber que, inconscientemente, eu desejei que isso acontecesse. E por estar aliviado daqueles diários latidos estridentes. Seria o fim da humilhação do cativeiro pois meus cães, por serem cães de verdade, não podiam usufruir da mesma liberdade. Lembrei-me das milhões de boladas que dei propositadamente enquanto jogava futebol com meus amigos e das mangueiradas de água fria que eu fingia acertar sem querer no palhacinho do vizinho.

Mas aí a ficha caiu. Bilbo era o “cachorro” do Sérgio e tinha esse nome porque esse era o apelido do seu avó. Sua avó, uma velha senhora de muito bom gosto e ótimo coração, mas que possuía uma religiosidade irritante é quem tinha dado o nome. E Bilbo, esse pequena criatura que carregava em sua significação uma tremenda importância, estava ali, todo dilacerado, estraçalhado no meu quintal. Filho da puta! Se eu tivesse ao menos soltado os cachorros pra eles se matarem lá fora! Ninguém ia ter culpa!

Corri pro abraçado do defunto e joguei o perba num balde cheio de sabão com água sanitária. Costurei, lavei, esfreguei, pentiei, e depois sequei o furingo todinho com o secador da minha ex-namorada. Nunca me imaginei fazendo isso em toda a minha vida. Já tinha me visto de super herói, o homem mais forte do mundo, já me imaginei rico e cheio de mulheres gostosas do meu lado, já me vi dirigindo um helicóptero e até virando mendigo. Mas costurando um cachorro – opa, cachorro não! Que buraco meu inconsciente me levou?! Será que essa história de “O segredo” é verdade mesmo? Pensei em mil coisas ao mesmo tempo e conclui que se esse “Segredo” realmente funcionasse, eu é que não estava pronto pra recebê-lo.

Peguei o tal do Bilbo, coloquei na geladeira e esperei a madrugada chegar. Quando então estavam todos dormindo, coloquei o disgramado deitadinho na graminha, como num desenho dos Teletubbies. Lindo! Era muito lindo ver que aquela disgrama tinha virado um anão de jardim peludo.Daí fui dormir, sossegadinho da Silva. Não me perguntem o que eu queria com aquilo. Eu só sei que segui os meus instintos de proteção aos meus amigos fiéis e defendi a minha prole como uma mãe gorda e peituda defenderia sua criança diante de uma ameaça.

Os dias se passaram. Passaram-se as semanas e nem notícia do anão peludo. Minha curiosidade começou a reclamar e comecei a ficar meio paranóico. Fingindo que não sabia de nada, cumprimentava o Sérgio e sua avó todos os dias. Mas nem um comentário surgia, então comecei a desconfiar que eles estavam me tratando de um modo diferente, como se soubessem da minha façanha.

A paranóia apertou tanto que um dia resolvi perguntar abertamente sobre Bilbo.

“ - E Bilbo, rapaz, como é que anda? Nunca mais ouvi ele latindo por aqui!”

“- Pois é cara, você soube que Bilbo morreu, né? Perguntou Sérgio num tom de funeral.

“ – Não, cara! Num tô sabendo! E como foi que isso aconteceu?”

“ – Então, cara, foi pesado! Quando isso aconteceu minha avó foi parar no hospital e passou duas semanas internada. Ataque do coração.”

Puta merda, pensei com os meus botões. Tá que o desgraçado me enchia a paciência. Mas dái a querer levar pra cova a velhinha junto tá demais né, inconsciência!

“ - Sabe que Bilbo era o apelido que ela tinha dado pro meu avô, né? Passou os vinte sete anos da sua vida chamando vô Bartolomeu de Bilbo. Daí um dia Bilbo teve um ataque de epilepsia, que é muito comum nessa raça...” “ – que raça que o quê, Mané! Raça! É muita necessidade de encontrar uma resposta pras coisas mesmo!!!” “ - E morreu nas mãos da minha vozinha.”

“ - Fizemos um enterro, com orações e tudo mais aqui no nosso jardim. Pois acredita que no dia seguinte, Bilbo apareceu limpinho, deitado no quintal, parecendo um anjo de cachorro?”

Pois num é que até na hora de morrer o lazarento fez questão de ser poodle!Olha o papel que me fez passar?! Filho da puta!!!

DaliaTerra
Enviado por DaliaTerra em 26/09/2008
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