O tio esclerosado
Tio João era separado e tia Cora era solteira. Moravam na mesma casa junto com o tio Antonio, outro irmão solteiro.
Tio João, o mais velho, estava com seus setenta e oito anos, quando a sua cabeça começou a falhar terrível e dolorosamente, para ele, e para tia Cora, que o destino quis que viesse ao mundo, somente para cuidar dos doentes da família.
Todos os dias tio João aprontava alguma trapalhada, que acabava por dar um grande trabalho para ser -devidamente- contornada.
O penúltimo que nós soubemos, pois ela -tia Cora- costumava acobertá-los, foi o de um urinol cheio de xixi, que ele despejou na cabeça de alguém que passava pela calçada, quando se levantou pela manhã e resolveu se livrar daquele incômodo, jogando o seu conteúdo janela abaixo...
Não fosse a tia Cora para colocar panos quentes, a coisa teria ficado feia para o tio João, que parecia viver no mundo das nuvens.
Mas, a última do tio João aconteceu pouco tempo antes de sua morte.
Ele foi tomar o seu costumeiro banho vespertino, sempre de porta destrancada, pois, tia Cora, por precaução, havia escondido a chave, com medo que ele se trancasse e não mais conseguisse abri-la.
E, lá de dentro do banheiro, de repente, vieram os gritos do tio João, chamando pela irmã, que, prontamente, correu para socorrê-lo.
Antes que ela abrisse a porta, ouviu que ele ordenava autoritariamente, para que alguém saísse imediatamente dali, pois estava na hora do seu sagrado banho, e que, se ele não fosse obedecido, seria obrigado a esmurrá-lo.
Quando tia Cora abriu a porta do banheiro, só teve tempo de ver que tio João desferia um tremendo soco contra o espelho do banheiro...
A grande verdade é que o trágico e o cômico andam sempre de mãos dadas e, ninguém, jamais, vai conseguir separá-los...