LAMENTO
LAMENTO
Fiz tanta birra,que meu pai acabou me dando uma espingarda de pressão que tinha acabado de pegar em uma barganha.
Era uma standart francesa com o cano niquelado e coronha feito em cedro rosa,tinha mira giratória e alça de couro.
Sai então,feito caçador indo a um safári.
Quando de longe avistei em um bambuzal um João de Barro.
Minha consciência de moleque dizia:atire para acertar,mas minha consciência de criança dizia:atire só para assustar.
Mirei e atirei,mais junto do projétil foi o remorso.
Nunca torci tanto para que algo que tinha feito desse errado.
Mais como o errado era acertar,foi certeiro ao alvo.
Em meio as penas lançadas ao vento,num rodopio e num doido pio veio ele ao chão.
Corri em sua direção,ele me olhava em desespero,me mostrava a asa quebrada e parecia que me dizia:olha só o que você fez a mim.
Peguei-o e pensei:quem sabe ainda posso desfazer o que não deveria ter feito( só depois aprendi que na vida tem coisas que jamais conseguiremos consertar)
Levei-o para casa,enfaixei sua asinha,e o coloquei em uma gaiola,pus água e fubá.(foi a ultima refeição de um condenado)
E fui dormir,mais a lembrança do seus olhos não deixou que eu fecha-se os meus.
E lá do quarto escutava seu canto,ele cantou tanto,cantou mais que o Roberto Carlos.Ouvi seu repertorio todinho.
Cantava de dor,cantava de saudade,cantava da falta de liberdade,cantava por saber que nunca mais construiria outra casa para sua amada.
Cada canto dele pingava como ácido na minha consciência .
Dizem que São Francisco pregava aos animais,mas quem me passou um dos sermões mais duros em minha vida foi um João de Barro.
De manhã bem cedo corri para vê-lo,esperando uma canção de bom dia.
Mas estava ele encostado no cantinho da gaiola,com as asas fechadas e os olhos abertos ,olhinhos que ainda brilhavam,mais sabia eu que ele jamais cantaria novamente.
Pedi perdão a Deus,mas ao João supliquei e implorei perdão
E não somente lhe disse que lamentava,mas como prova do meu arrependimento, pequei minha espingarda que estava dependurada na parede,e a despedacei contra um muro,o cano prendi em uma morsa e o entortei com uma marreta,os pedaços que sobraram enterrei para que ninguém pudesse aproveitar mais nada dela.
Daquele dia em diante,evitei pisar até em baratas.
A vida é como um enorme tabuleiro de um grande quebra-cabeças,cada coisa que você tira,depois fará falta no final.