FUGA
Havia trens em Ouro Fino,havia também uma estação ferroviária,mas levaram os trens embora,tiraram os trilhos,e transformaram a estação em lojas,ficamos menos mineiros,pois Minas Gerais de verdade tem que ter trens e montanhas.
Me falaram que era o progresso, só se for progresso do tempo,que leva as coisas boas embora,leva a infância,leva os amigos,leva as namoradas,leva os pais,às vezes os filhos,leva os cabelos,leva os dentes,leva a visão,leva a saúde,e finalmente nos leva.
Tinha mais ou menos uns 9 anos,planejei com um amigo,como quem faz planos para fugir de um campo de concentração.
Iríamos fugir de Ouro Fino ,e de trem.
Iríamos a um lugar bem distante ,à cidade vizinha de Borda da Mata.
Há,como os olhos das crianças enxergam diferente
São feitos de outras lentes:qualquer morro se transforma no Everest,qualquer córrego num Rio caudaloso,qualquer lagoa num grande mar,qualquer caminho numa longa estrada,qualquer brincadeira em uma grande aventura,qualquer viajem numa grande peregrinação
Fomos até à estação ferroviária,chegamos até à bilheteria e pedimos a um adulto que compra-se as passagens para nós(bons tempos aqueles,em que os adultos não desconfiavam das crianças,e as crianças confiavam nos adultos,ou vice-versa)
Foi uma viagem e tanto,apesar de serem apenas 26 quilômetros,até hoje ela ainda não terminou em meu coração.
Cada montanha que subia,cada curva que fazia,cada ponte que passava,cada apito que berrava,me fazia desconfiar que o jardim do éden tinha sido um plágio de Minas Gerais.
Chegamos ao destino.
Primeira providência foi comprar duas roscas de creme cobertas com coco ralado e um guaranázão gelado.
Após o banquete,veio o sono da satisfação.
Olhei para meu amigo e disse:vou voltar para casa!amanhã eu fujo de novo.
Retornei como o filho pródigo,mas com a certeza de que ao invés de uma grande festa e anéis de ouro,me aguardava um abraço e um grande prato de batatinhas fritas.
ACHO QUE MAIS TRISTE DO QUE NÃO TER PARA ONDE VOLTAR,É NÃO TER PARA QUEM VOLTAR.