Como vencer uma eleição...


João Marqueteiro saiu do Nordeste para estudar no Rio de Janeiro. Formou-se  em jornalismo, arranjou um bom emprego e casou-se com uma carioca – moça fina e rica –  combinando com seu jeito gentleman de ser. A vida social agitada, na cidade maravilhosa,  aguçou o desejo de engajar-se na política, um sonho acalentado desde menino. O pai de João sempre que estava numa roda de amigos repetia, orgulhoso, as palavras do filho: “Quando crescer juro que serei Governador de Mata Verde”. 

O tempo passou e a vontade de embrenhar-se na política continuou. Porém,  João matutou com seus botões que precisava arranjar uma maneira de ser conhecido e respeitado em sua terra natal. Deveria  preparar o terreno, objetivando filiar-se ao ‘partido da situação’ e candidatar-se ao cargo eletivo de Governador.

Naquela época, não havia agência publicitária para alavancar a campanha dos candidatos. A criatividade e a esperteza  prevaleciam, sendo instrumentos favoráveis ao inteligente João. Sua primeira grande idéia foi distribuir cartões de natal - com a foto de sua família - às autoridades e pessoas de prestígio de todo o estado de Mata Verde. Uma novidade para aquele povo que, até então, não conhecia os chamados "santinhos".

Todo ano, religiosamente, no início de dezembro chegavam os cartões natalinos com uma bela mensagem de boas festas! Isto era tão certo, quanto à realização da Missa do Galo. O povo, a boca miúda, comentava sobre a bela família de João e a preocupação daquele homem culto e bem-sucedido, com a gente de sua terra.... 
 O carisma conduziu-o a disputar as eleições.



Marqueteiro passou, também, a enviar cartões de aniversário para os aliados e  opositores. O gesto repercutiu satisfatoriamente. Atitudes, assim,   tornava-o agradável aos olhos do povo. Receber um cartão de João virou tradição; transformou-se num símbolo de prestígio! A estratégia de marketing multiplicava o número de simpatizantes a sua candidatura. Cada fazendeiro conquistado significava dezenas de eleitores, pois, os trabalhadores eram influenciados pelos patrões. 

Mas, nas regiões sem domínio político, João criava estratégias para aproximar-se de seus opositores. No fervor da campanha, por exemplo, ele tomou conhecimento que o maior número de operários eleitores estavam na Usina Nascente. O usineiro, Sr. Manuel Cascudo,  apoiava Carlos Bezerra  para governador de Mata Verde e, conseqüentemente, não permitiria votação diferente em sua região. 

Preocupado com as urnas, Marqueteiro teve mais uma grande idéia e resolveu colocá-la em prática. As viagens durante a campanha eram feitas de avião monomotor, portanto, este seria o instrumento de sua nova armação!

O dia amanheceu ensolarado. O avião sobrevoava a usina Nascente quando, de repente,  ouve-se um barulho horrível parecendo fogos de artífício. O monomotor pousa   justamente nas terras do Sr. Manuel Cascudo! Seria uma pane?! O filho do usineiro, chamado Alfredo, dirigiu-se a pista de pouso para tentar ajudar, pois, além de experiente piloto entendia do maquinário aéreo. Alfredo, ao  aproximar-se do avião, ficou surpreso com os passageiros: João Marqueteiro, a esposa Carmem e o piloto Francisco. Pessoas que não seriam convidadas, certamente, aquelas terras. Mas, o caso era emergencial...

 

O sol forte castigava. D. Carmem não poderia ficar a céu aberto até o ‘conserto’ do avião. Resolveram, então, levá-la ao casarão da Fazenda Beija-flor,  próximo a pista de pouso. Os donos da fazenda, Almir e Vilma,  receberam a esposa do candidato gentilmente. Eles faziam parte da lista dos opositores privilegiados com os tais cartões natalinos.


Marqueteiro, no entanto, preferiu ser conduzido ao casarão da usina onde o Sr. Manuel Cascudo se encontrava. Segundo ele, pretendia desculpar-se pelos transtornos causados. Alfredo deixou-o com seu pai e retornou a pista de pouso para examinar a aeronave.

 

A família Cascudo recebeu  João com muita cordialidade. Ele, por sua vez, educadíssimo, encantou a todos. E, como não poderia perder a oportunidade, fez questão de conhecer as modernas instalações da Usina. Aproximou-se de cada operário dando tapinha nas costas, puxando conversa, demonstrando interesse sobre cada um deles e fazendo muitas promessas.  O homem era bom de lábia; dizia o que o povo desejava ouvir! 

Tal despojamento desarmou a oposição... 


Marqueteiro chegara de mansinho, como uma desagradável surpresa, porém o carisma, a elegância e o charme falaram mais alto. O resultado não acabou em pizza, mas em almoço festivo tanto na Fazenda Beija-flor, quanto na usina Nascente. E mais: Alfredo não conseguiu detectar nenhum defeito no avião. Mistério!!!

A tarde estava caindo quando João e comitiva despediram-se calorosamente do clã dos Cascudo. O avião decolou com um saldo positivo para o esperto candidato: entrou nas terras de maior reduto de eleitores e deixou uma ótima impressão! Enfim, era tudo o que ele queria... 

As eleições aproximavam-se e o Sr. Manuel Cascudo  não pressionou seus operários a votarem no candidato da oposição. Cada trabalhador teve a liberdade para optar entre João Marqueteiro e Carlos Bezerra ao cargo de Governador de Mata Verde. 
 

João venceu a eleição com folga. Em sua posse houve uma grande festa regada a muita comida, bebida e música.  Mas, a beleza dos fogos chamou a atenção! Não poderia ser diferente... O fogueteiro de toda a campanha eleitoral, especialista em festas de reveillon no Rio de Janeiro, além de dar uma mãozinha no pouso forçado do monomotor na usina dos Cascudo, passou a ser o animador oficial do governador João Marqueteiro.
 


*Homenagem ao esperto político, já falecido.

 

 

 

 

 

 

 



 

 

 

 

 

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