A escola da vila
Minha vida estava tão boa, desse jeito...
O rio, a mata, os pássaros espertos pulando de galho em galho, de árvore em árvore... E eu sabia que eu pegaria pelo menos um. Se não fosse hoje seria amanhã, mas eu pegaria...
É... mas não podia ser assim. Amanhã tenho que conhecer a escola da vila... e as pessoas...
Mas eu não quero ir, eu quero ficar aqui com meu pai e com minha mãe.
Correndo pelo caminho da farinheira penso na vila, naquela estrada larga onde a mula parece pequenina mesmo carregando os dois caçuás, onde às vezes passam caminhões grandes com muitos pneus e fazendo um barulhão e levantando poeira. Penso naquela escola nova atrás dos eucaliptos, crianças correndo, falando alto, gritando, rindo...
Eu já estive lá, era um dia de sol quente e eu estava muito excitado. Meu pai subiu a escada do portão principal arrastando-me pelo braço. Eu não estava com medo, meu pai estava comigo e sorria, mas eu sentia a sua excitação, sabia que ele também estava nervoso. No fim da escadaria havia um pátio, muito amplo e amarelo. No centro havia um cercado em forma de uma casinha e era linda. Estava cheia de periquitos amarelos, azuis, brancos.
Meu pai dobrou a direita e após o corredor largo entrou comigo numa sala. Cumprimentou a senhora de óculos e apontando para mim e disse alguma coisa. Eles conversaram alguns minutos sempre gesticulando muito e olhando ou apontando para mim. Ela anotou diversas vezes com sua caneta num papel branco, sorriu para mim, afagou a minha cabeça e apertou a mão do meu pai, e então voltamos para casa. A missão estava cumprida, o caminho de volta foi uma maravilha, nem me importava que as crianças da escola parassem todas para nos olhar quando passávamos. Um menino de bicicleta passou correndo e se distraiu ao nos ver passar e acabou caindo no chão. Os outros por um momento se esqueceram de nós para dar-lhe uma vaia. No caminho de volta paramos no armazém. Comprou diversas coisas, açúcar, arroz, sal, fósforos, farinha de trigo, pão com manteiga... Pão com manteiga! Estava tão gostoso...
Como de costume meu pai começou a cantar, aquela canção contando a história de um samurai esperto e outro meio bronco. Já sabia a historia de cor, mas eu sempre tinha a esperança de que desta vez a história chegaria até o fim.
Quando a história chegava à melhor parte e a tarde findava, chegamos a casa. Nem reparei que caminhamos a tarde toda sob o sol abrasador.
No caminho paramos no ribeirão para tomar água. Meu pai fingiu que se escorregou numa pedra para jogar água em mim. Fingindo ter me zangado, joguei água nele, e assim retomamos a caminhada refrescados.
Somente em casa eu soube que havia sido a minha matrícula. Minha mãe orgulhosa me disse que eu iria freqüentar a escola dos brasileiros. Iria aprender a falar como eles. No momento não me dei conta do que estava acontecendo. Contaminado pelo entusiasmo da mamãe enchi o peito e disse que iria. Afinal seria somente no mês seguinte...
Só que o mês passou depressa. E amanhã era o dia...
E eu não queria...
Aqueles meninos estranhos olhando todos para mim... E desta vez meu pai não estaria comigo. E se algum deles se dirigisse a mim. E se eu tivesse que responder alguma pergunta?
Eu não vou. Amanhã vou amanhecer com febre. É Isto! Vou amanhecer com febre. Não de mentirinha, pois meu pai iria descobrir e ficaria decepcionado comigo, mas febre de verdade, maleita.