Saci não existe!

O fogão de lenha clareava o cômodo bem arrumado de Juvenal no sitio Florada do Norte. Juvenal se embrenhou na roça desde moleque e de lá nunca saiu. Plantava cana e um eito grande de milho do qual se orgulhava. O trabalho sob o sol nunca desanimou o sitiante.

Incrédulo de todas as religiões até mesmo das lendas sobre saci ou lobisomem, achava graça quando alguém dizia que viu um saci, ou que tem medo de lobisomem. Tinha pena das pessoas que acreditavam em coisas do outro mundo: “Essas coisas não existem”...

Nessa noite quando Juvenal insono perambulava pelo cômodo, viu na parede sua sombra e a fazia crescer ou diminuia quando se afastava ou se aproximava. Brincou com essa figura por alguns segundos a voltou-se para o bule de café que era mantido na beira do fogão. No entanto algo lhe chamou a atenção e o fez olhar novamente para a sombra que não se alterou quando ele se afastou. O que era isso? Intrigado Juvenal aproximou-se o mais que pode quase encostando o nariz na parede, e mesmo assim a sombra ficou lá quieta, imóvel. Ele riu desconcertado, com medo, e voltou para seu café tentando esquecer o acontecido. Mas olhou novamente para parede e lá estava a sombra com o nariz encostado à parede como se fosse um espelho negro. O homem assustou-se e a caneca de café quente lhe caiu sobre o pé descalço levando-o saltitar agarrado ao pé. Parou ao ver que sua sombra saltitava numa só perna mas com os braços levantados parecendo rir. Juvenal arregalou os olhos, encostou-se no fogão agarrando um tição e posicionando-se em defesa daquilo que lhe era estranho e que estava dentro de sua casa: “quem está aí?”. Não havia resposta apenas uma sombra que teimava em mover-se quando Juvenal estava parado com o tição aceso na mão. Ali ficou até o fogão queimar toda a lenha e a sombra desaparecer.

Durante o dia o homem não sossegou e já temia pela noite que teria. Na roça conversou com os colegas de empreita que lhe disseram que era o saci que estava brincando com ele. Outros disseram que o saci tinha sido visto pelas redondezas e que gostava de brincar com gente que não acreditava nele. O vendeiro afirmou que era o saci e completou que se tratava de um moleque negrinho com capuzinho vermelhinho, e sempre trazia um pito nos beiços, que pulava sempre porque só tinha uma perna. Foi quando Juvenal lembrou-se da sombra pulando numa perna só com os bracinhos levantados: “É ele! Só pode ser essa coisa ruim que ta lá em casa. E agora o que eu faço pra mandar ele embora?”. E muitos palpitaram dando ao rapaz diversas fórmulas para despachar o saci. Ele tinha que caçá-lo numa peneira e engarrafar a coisa ruim. Ou então provocar um redemoinho para levar o negrinho embora. Ou até acender vela no terreiro à meia noite perto do galinheiro para que a coisa levasse uma galinha e fosse embora de vez.

Ao anoitecer Juvenal tratou de arrumar logo uma peneira e se posicionar no quintal para caçar o negrinho. Esperou muito até o que o sono veio e a coisa não apareceu. Acordou com frio já de madrugada e resolveu ir para cama. Ao entrar notou que a porta estava escancarada e viu na parede a sombra magra que pitava. As pernas do homem tremeram pela primeira vez. O negrinho sagaz pulou para cima do fogão e derrubou as panelas que estavam dependuradas, fez uma ventania na casa que os móveis até andaram de lugar. Juvenal rezou muito sem saber para qual santo deveria rezar. Apenas rezou pedindo para levar de lá a coisa ruim. Pela manhã Juvenal não foi para roça, foi à igreja ver o Padre Luiz que lhe ensinou umas rezas e lhe deu água benta para jogar no saci. Isso sim seria certeiro para afastar de vez a coisa ruim.

À noite ficou à porta da casinha onde havia uma vela acesa e um potinho de água benta. Ajoelhado rezava fervorosamente desta vez para o santo certo. Santo André das Almas estava ali representado pela imagem postada ao lado da vela e pelas rezas de Juvenal. Quando num certo momento as galinhas cacarejaram numa arruaça no galinheiro, e as cabras correram alvoroçadas pelo quintal, Juvenal já podia adivinhar o que estava acontecendo, era o saci brincando com as criações. Podia ser ouvida ao longe a oração de Juvenal. Com o vento a vela se apagou então o homem apanhou o pote de água benta e se levantou. Numa mão o pote e na outra a imagem de Santo André. A ventania aumentado, aumentando e as tralhas do quintal voando de um lado para outro. Juvenal rezando, rezando, rezava salpicando gotículas de água benta pelo ar. Até que num momento qualquer tudo cessou, a ventania abrandou e a criação aquietou-se. A reza continuou até que o homem viu as folhas do canavial se afastando com alguém correndo desembestado no meio da plantação.

No dia seguinte na roça havia muita especulação sobre o acontecido no sítio, mas Juvenal teimava para os colegas: “saci não existe, mas se ele resolver aparecer lá de novo eu cato ele ponho num saco e trago aqui pra vocês verem a coisa ruim”. Os colegas foram unânimes em dizer: “não carece essa prova de jeito nenhum”.