Meu tio Hercílio...
Meu tio Hercílio...
Eu tinha sete anos de idade quando o conheci, e as lembranças que guardo dele são as melhores possíveis. Homem de meia idade, gordo, estilo bonachão, sorriso fácil, mas com atitudes pouco comuns para a pequena cidade onde morávamos, no interior de Santa Catarina, capaz de proezas inimagináveis que sempre deixavam a população comentando por meses e que o tornou conhecido em toda a região.
Julgava-se que tais façanhas tinham a ver com uma porção de platina que lhe fora implantada na cabeça, quando com dezoito para dezenove anos sofreu um grave acidente e teve um afundamento de parte do crânio. Naquele tempo a única alternativa de salva-lo foi essa, a medicina quase sem recursos, numa região longínqua dos grandes centros e pobre por conseqüências óbvias. Teve uma recuperação difícil, mas por destino, meio que por milagre,acabou se recuperando, ficando com seqüelas quase imperceptíveis a não ser é claro nas atitudes totalmente fora dos padrões para a época e que passo a lhes relatar a partir de agora.
Certo dia, noitinha já, retornando da fazenda que possuía a uns doze quilômetros da cidade, em sua velha caminhonete Ford 64, carregada de sacos de milho, por uma estrada de terra, cheia de curvas ele vinha em sua velocidade habitual, na verdade ele nunca soube andar devagar, os faróis velhos que já não iluminavam direito, lá pelas tantas ouviu um barulho forte, como se tivesse atropelado um animal, sim naquele tempo era normal bois e cavalos ficarem deitados ao longo da estradinha, preocupado, pisou no freio e foi ver o q havia acontecido, pois para surpresa dele estava lá, uma senhora de uns sessenta anos mais ou menos, nunca se soube ao certo, que carregava um saco com algumas peças de roupa às costas, estendida no chão, escoriações por todo o corpo, já quase sem vida.
Ele não pensou duas vezes, pegou-a nos braços recostou-a no banco de sua caminhonete e se foi procurar o doutor da cidade, mas devido à gravidade dos ferimentos e a demora na localização do médico a velha senhora veio a falecer. Como não havia Instituto Médico Legal, na época nem se sabia quando isso iria existir, ele levou-a para sua casa, minha tia ficou apavorada, mas como boa esposa, totalmente submissa, cumpriu o que ele lhe determinou, banhou a velhinha e como o tamanho de suas roupas eram parecidas a vestiu, enquanto ele foi providenciar o caixão que depois foi posto no centro da sala da grande casa e velada como se fosse um membro da família, conforme era de costume na época e por uma noite toda.
A família da falecida nunca foi encontrada, nem filhos, nem marido, nada, por certo deveriam ser moradores de alguma fazenda da região, o certo é que no dia seguinte, logo após o almoço providenciaram o enterro no cemitério local, inclusive meu tio fez questão de chorar copiosamente na hora do sepultamento, para que todos os presentes, ficassem realmente convencidos de que se tratava de alguém conhecido e querido pelo meu tio e por toda a família, pois acreditem, foi exatamente assim que aconteceu... coisas de meu tio Hercílio.
Adilson R. Peppes.