Um caso pro além
Pois não, lá vem esse doutor de novo, nunca vi investigador de polícia se preocupar tanto com o futuro, deve ser porque ele já viu morrer muita gente sem dar fé no perigo que corria. É e eu vou esperar pra saber o que é que ele quer hoje.
_ Bom dia dona Helena, me vê aí o jornal da tarde.
_ Claro seu Benício. Tá aqui!
_ E a senhora? Está boa hoje?
_ Deus está me ajudando.
_ Vixe! Menino desaparecido! Família pede ajuda para o resgate de quinhentos mil dólares pelo seu filho Pedro Júnior.... Esses bandidos não tem mais o que caçar, num é mesmo dona Helena?
_ É .... E o senhor por acaso já num está fora da polícia? Então não se preocupe que agora tem outros pra cuidar desse menino aí!
Chamei-lhe a atenção com firmeza.
Benício ficou parado com um olhar distante, dobrou o jornal e olhando fixamente para frente resmungou comigo.
_ É dona Helena, mas ainda está engasgado aquele assassinato que eu não pude decifrar, aquele que acabou comigo... Foi.
_ Pense assim não! Já pedi pros meus anjos pra te guardar o coração longe das angústias da vida, está na hora de você olhar pra frente.
Benício apertou a minha mão e foi atrás da tal família do jornal.
No dia seguinte lá chegava ele com um sorriso de orelha a orelha, pediu o jornal de sempre e começou a conversa:
_ Dona Helena, fui na polícia, meu antigo chefe voltou a trabalhar naquela repartição que eu trabalhava e me chamou de volta pra fazer parte da equipe dele.
_ Mas que é que você vai fazer na polícia agora?
_ Vou atrás da pista do tal menino seqüestrado.
Pensei por um instante que o amigo estava de brincadeira, mas fazia tempo que não via seu Benício tão cheiroso e bem arrumado. E ele continuou a falar:
_ A senhora até parece que não gostou da novidade.
_ Claro que fiz muito gosto de ver você todo feliz. Mas vai logo se não você chega atrasado.
E lá foi ele, antes de dar a partida no carro, arrumou o cabelo e saiu. Fazia tempo que eu não o via tão animado, ele devia amar mesmo o que fazia.
Mais uma manhã lá veio Benício:
_Bom dia dona Helena!
_ Que foi que está com a cara de preocupado hoje? Não dormiu direito, não é?
_ Não Senhora. Os bandidos são barra pesada dona Helena. Mas tem uma coisa que eu achei muito estranha....
_O que?
_ A carta.
_ Mas que carta é essa?
_ Eles escreveram uma carta muito parecida com a daquele infeliz que morreu na minha frente dona Helena.
_ E você está achando que é o mesmo bandido? Benício você está impressionado com aquele acidente, claro que está!
Ele fez uma cara sisuda e olhando espantado pra mim e abanou a cabeça negativamente.
_Não dona Helena. Eles são assassinos em série! O menino é vizinho daquele que morreu antes de eu sair da polícia.
_ Não me diga?
_ É sim. E sabe do que mais? É da mesma escola de música do outro, toca um violino tão bem quanto o outro.
_ Nossa senhora!
_ Vou indo Dona Helena, tem muito trabalho hoje.
Eu quase não acreditei, meu amigo estava com uma missão difícil, agora ele tinha certeza de estar na pista certa para solucionar o assassinato que havia deixado a vida dele sem perspectiva. Já não parecia mais impotente por não ter salvo a vida do outro rapaz.
Naquela noite seu Benício bateu em minha porta quase dando meia noite. Ele estava decidido de que alguma coisa do além pudesse lhe ajudar.
A única coisa que faltava era descobrir o cativeiro do menino Pedro júnior.
Ele me pediu com tanto desespero que eu o levei para o altar dos meus guias, estendi a toalha branca e comecei a embaralhar o baralho cigano. Em cima da minha mesa fiz minhas invocações acendendo minhas velas e incensos, quando senti o ambiente limpo para receber as respostas dos espíritos, sentei-me na frente de seu Benício e disse a ele:
_ Tenha força homem. O que quer saber?
_ Onde está o menino?
Naquela hora as primeiras cartas que pus na mesa foram: a estrada, depois o lírio e a criança. Quando aquietei meu coração disse ao Benício:
_ Ele está perto de Deus!
Benício gemeu de raiva e gritou:
_ Desgraça! Só pode ser desgraça que já mataram esse menino!
Esbravejou Benício intrigado.
_ Não filho! Ele ta perto de uma Igreja.
_ De uma Igreja?
- Vamos Dona Helena, Vê se essas cartas aí não dizem mais alguma coisa.
Voltei a abrir o baralho, e as outras cartas eram: a cigana (que podia ser a mãe ou mulher do menino), o documento e a espiritualidade. E eu respondi:
_ Seu Benício essa Igreja deve ser conhecida da mãe do menino, é uma igreja que ela casou ou a igreja em que ela se converteu ou encontrou a luz lá. Veja o senhor se ela conhece alguma igreja que possa ser de serventia, meus guias já não tão dizendo mais nada. Veja isso meu filho!
Seu Benício beijou minhas mãos e foi atrás da mãe de Pedro Júnior, ela tinha falado pra ele que só conhecia uma igreja que podia esconder alguém. A igreja em que ela fez a primeira eucaristia. Uma Igreja tombada que já não recebia mais fiéis que um tempo até serviu de museu, mas que já estava fechada ha um bom tempo.
Benício chamou um reforço para acompanhá-los até a tal igreja na estrada, tiveram de parar o carro antes, pois o mato estava muito alto. Logo já se podia com a lanterna, ver a igrejinha abandonada. Benício preferindo ir à frente viu um dos jagunços encostado numa árvore e com o braço esquerdo o abraçou por trás, guiando-o com o revolver a caminho da porta da igreja. Levantando a arma fez um sinal para seus reforços rodearem a igreja. O investigador com um chute abriu a porta, e os bandidos dispararam vários tiros que atingiram o jagunço que estava de seu escudo. Benício largou o corpo do homem e atirou em dois bandidos os outros foram capturados por outros dois policiais. O menino conseguiu escapar do cativeiro e saiu correndo pelo mato. A mãe do menino vendo uma pessoa cambaleando nas sombras das lanternas foi correndo em direção ao menino e buscou abrigo junto às viaturas policiais na beira da estrada.
O mistério estava solucionado, na delegacia descobriram que os bandidos agiam juntos há muito tempo e confessaram o crime de antes que Benício não havia decifrado. E foi com esse caso que seu Benício descobriu que ainda estava novo pra se aposentar e voltou à ativa.
Ele aparece como sempre por aqui, com a mesma conversa, sempre me deixando de boca aberta com suas histórias de investigador.