Qual delas?

E lá estava eu, fatidicamente adentrando a porta do hospital, pensando "esse pé deve ter estragado muito!" uma visão do inferno, todo cheio de hematomas, meu pé estava grávido, Pronto pra parir de tanta dor!

Fui logo ao balcão de atendimento fiz minha ficha, assinei a guia do plano de saúde e esperei minha vez a ser chamada vendo a retrospectiva das Olimpíadas.

O médico demorou para me chamar, estava dormindo no plantão, me atendeu com um jeito sonolento, será que olhou o pé direito, ele estava vesgo. Mandou-me logo pra radiografia, logo pensei, "melhor mesmo! até ele vir a radiografia, ele desperta e examina meu pé esquerdo!"

Saí do ambulatório e fui pra radiografia, de cadeira de rodas, sentia muita dor ao apoiar o pé, resolvi ser pelo menos uma vez na vida, cautelosa. Ao entrar na sala de espera da radiografia avistei um casal com um bebê de colo, o rapaz muito bonito, traços finos, sobrancelhas grossas e aquele sorriso era inesquecível, em dois segundo reconheci estava lá meu primeiro amor!

Ao me ver ficou contente estava satisfeito em reencontrar a pessoa por quem ele se apaixonara a vinte anos atrás, primeiro amor um do outro. É muito tempo, pra duas pessoas que mal sabiam que o amor custava tanto, sem saber quanta responsabilidade vinha, como é dificil ter um amor de verdade na vida adulta. Naquela época não! A gente só tinha sonhos, falávamos das coisas mais despreocupastes do mundo pra dois adolecentes, ficávamos contando como seria cortar três zeros da moeda, inflação era o assunto do momento, só sabiamos que às vezes o remarcador do mercado apanhava um produto de nossa mão, remarcava e nos devolvia. A gente chegara a brincar de escorregar na escada do colégio de freiras sem que elas vissem pra não nos chamar atenção, pra quê catequese? pensávamos, gostavamos mesmo era do grupo de canto da igreja, dividíamos a coca-cola, emprestávamos os discos de vinil do A-hA, pretextos e mais pretextos para ficarmos mais próximos um do outro. Sem joguinhos de amor, ninguém escondia que tudo aquilo era mesmo uma desculpa esfarrapada pra nos vermos.

O amor bem que podia ser assim até hoje, não é? A gente cresce e vê que o que sentia não era paixão de adolescência, era amor, tinha companheirismo, preocupação querer ver o outro muito bem. Me lembro de um livro que me emprestara chamado O Dom Supremo, falava dos dez mandamentos, mas como na carta de São Paulo aos Corinthios I,13 dizia “Se não houvesse amor, de nada adiantaria” seguir todos aqueles benditos mandamentos.

Cumprimentei o querido agora amigo, pois nos tornamos amigos depois de alguns anos, mudamos de escola e perdemos um pouco o contato, sem contar no fato de que minha mãe apesar de adorar o garoto não queria saber da filha namorando tão nova.

Fazia cerca de quinze anos que não nos víamos, ele balançava uma bebê muito linda, com olhar expressivo, brinquinho de pérolas na orelha, meio sonolenta, parecia irritada no colo do pai, pai coruja! Eu já imaginava que seria assim mesmo, ele sempre fora muito atencioso e prestativo com todos. Mal começamos a conversar sobre o que nos havia trazido ao hospital veio o técnico de imagens nos chamar. Com a voz imposta ele falou:

- Izabel!

Prontamente comecei a me movimentar na cadeira de rodas, quando o rapaz bonito perguntou:

_ Qual delas?

Fiquei calada, me perguntando o que viria dessa vez.

O técnico retrucou:

_ Izabel Abreu

Achei deveras esquisito! Fiz uma expressão de estranheza. Ele sorriu com um jeito moleque e olhei pra seu semblante feliz quando ele respondeu:

- Ela tem o seu nome!

E ele saiu para levar a filha para radiografia e eu fiquei lá achando aquilo tudo muito engraçado.

_Izabel Bento!

Veio outro técnico de imagens me transportar para o raio X. Eu estava muito contente com o a coincidência ou não coincidência. Ainda bem que a radiografia não era da face, porque era bem capaz de sair como naqueles desenhos animados a imagem de uma uma caveira sorrindo.

Pelos poderes de Grayskull!!!

Izabel Bento
Enviado por Izabel Bento em 28/08/2008
Reeditado em 28/08/2008
Código do texto: T1150345
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