ALEGRIA MÓRBIDA (COR)

(CORRIGIDO)

ALEGRIA MÓRBIDA

A tarde já ia penetrando célere pela boca da noite, quando o tilintar estridente do telefone sacudiu na confortável poltrona a Dona Dasdores, num salto abrupto, cheia de tique-tique nervoso correu para o telefone, ainda era daqueles aparelhos pretos, cuja campainha aguda, perturbava até o vizinho da terceira laçada. O seu traje, uma camisola velha, rasgada, da qual não se separava pôr sempre se sentir muito bem, dizendo que refrescava. Atingindo o aparelho vociferou, antes mesmo que ele desse o terceiro sinal:

- A L Ô . . .

- Dores, ( já reconhecendo a sua voz,) sabe quem morreu?...(Smife,smife), a comadre Elza !...

- Num diga menina, que hora que foi, já estou até sentindo as dores, (ela sempre sentia imediatamente ao saber das noticias de morte, as dores e os maus estares que o defunto sentia). Já sabem onde vai ser o velório? Se ela vai ser enterrada em Goiânia ou em Goiás?

- Não Dasdores , ela não agüentou aquele câncer terrível, não sei nada não...

Daquele momento em diante, sentindo dores aqui, coceiras ali, sapilecos acolá, tortinha para o lado esquerdo, desligou o velho "linguarudo", pensando atarantada com seus botões: é câncer eu não tenho não. (Coitada, mal sabia ela que já estava com mais de três anos de sobrevida deste mal instalado no intestino).

Mãe de uma prole de seis, compostas de quatro mulheres, um varão e uma varôa, lembra-se de avisar a todos imediatamente. Concluída a etapa de comunicar o doloroso fato a todos, quando pedia a presença deles não só no velório, como também no enterro.

O velório adentrava-se lá pelas tantas, quando uma de suas filhas do meio chamada Dasmaria aparecera na porta da câmara mortuária, esplendorosamente radiante, produzida com todo requinte como se fosse a um baile. Caminhava entre os presentes cumprimentando a todos com uma alegria contagiante. Um aceno aqui, um aperto de mão ali, um sorriso para cá, outro sorriso para lá e assim ela marcava sua presença com muito afinco e personalidade. Falara a sua irmã Adelair que levantaria de madrugada, a fim de cumprir suas obrigações mais cedo só para chegar ao enterro mais cedo, porque gostava de mais daquele ambiente. Os ponteiros do relógio aproximavam da meia noite, sua tez brilhava, seu cabelo reluzia, seus olhos faiscavam, rejuvelhecera-se, as bolsas que cultivava abaixo dos alhos, desapareceram, era um monumento à felicidade.

Fôra ali para ser vista, não para ficar escondida. Chegava alguém da família da morta, corria a abraçá-los. Atravessava a sala efusivamente várias vezes, não pedia oportunidade de circular. Deixava transparecer uma felicidade reluzente. Não escondia a satisfação de ali estar.

O seu marido chega para buscá-la, mas ela diz que ela queria ir embora. Eu quero ficar. Eu preciso ficar. Não posso deixar um velório de primeira como este de jeito nenhum.

Goiânia, 20 de março de l998

JURINHA .

jurinha caldas
Enviado por jurinha caldas em 20/08/2008
Reeditado em 20/08/2008
Código do texto: T1137184
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