DANIEL DE LA TOUCHE

Desde muito pequeno que o pescador José de Ribamar Ferreira, ouvia os pescadores amigos de seu pai, o velho Ferreira também pescador, histórias sobre a fundação de São Luis pelo pirata francês Daniel de La Touche.

Eram histórias de abordagens a navios mercantes que faziam o curso entre a América espanhola e a Europa, pois quando foi assinado o tratado de Tordesilhas, o novo mundo foi loteado entre Portugal e Espanha, mas isso só no papel porque, de fato holandeses, franceses, ingleses, italianos e outros navegadores faziam suas incursões na América para levar o ouro facilmente encontrado e especiarias abundantes até hoje.

No meio dessas histórias tinha uma que dizia que Daniel de La Touche para justificar sua fama de pirata, atacava e destruía também embarcações francesas, ficando com todo ouro que seria levado para os reis Luíses.

Diziam também que quando os franceses foram expulsos, parte desse tesouro ficou enterrada e que até hoje, ninguém havia encontrado, apesar dos trezentos e tantos anos de buscas.

Ribamar sempre sonhou com esses tesouros e alimentava a esperança de um dia encontrá-los.

Mas, sorte madrasta, a cada dia Ribamar ficava mais pobre.

Como todo pescador recebia uns caraminguás pelo camarão pescado de domingo a domingo nas águas salobras do Rio Anil.

Mulher, sogra velha e doente, nove filhos seus e mais dois sobrinhos, além da irmã deixada pelo marido e a própria eram as bocas que tinha para alimentar.

Morava num mocambo miserável na margem do rio.

O cheiro de mangue já fazia parte da sua existência sacrificada.

Para ajudar nos ganhos, o pessoal de casa consertava ou fazia redes de pesca para vender.

A sogra sabia e ensinava aos netos como trançar a palha e fazer armadilhas para pegar pitu e tainhas que iriam servir de iscas para peixes maiores.

A não ser pelas cachaças que tomava, a vida de Ribamar era uma bosta. Nenhuma perspectiva de melhoria.

A névoa úmida não saiu de cima do rio desde que amanhecera. Navegação difícil.

A maioria dos barcos não saiu.

Primeira semana de janeiro, a chuva parecia querer apagar São Luis do mapa do Maranhão.

Inverno com muita água desde outubro.

O barracão que era pequeno para um, com quinze parecia ônibus lotado. Os menores ainda deitados, os maiores levantados, mas enrolados em cobertas por causa do frio.

- eu achei essa moeda ontem quando estava reforçando o pilar central.

Ribamar pegou a moeda das mãos de Luis Filipe, o filho mais velho.

Era um dobrão espanhol, de prata igual ao exposto no museu que encantara tanto os olhos do menino Ribamar, quando fora com o Grupo Escolar, tanto tempo atrás.

- assim, solto na areia?

- não, tinha cinco pedras, formando uma cruz.

A voz do velho seu Francisco, soou dentro da cabeça de Ribamar... “o pirata Daniel gostava de enterrar a parte que lhe cabia, dentro de caixas de cedro e marcava o lugar com uma cruz de pedras”

- e você cavou mais? Quer dizer, mais fundo?

- não porque poderia comprometer o outro pilar.

“o pirata costumava fazer vários sinais em locais diferentes para confundir os caçadores de tesouros, mas todo mundo sabia que o local correto era o barranco do rio e que o sinal era que a parte alta da cruz tinha um seixo branco. Duas braças para baixo, dois passos para frente.”

- como eram essas pedras? Eram todas iguais?

- não. Três eram dessas pedras vermelhas, mas a de cima era menor e branca.

Um turbilhão invadiu o barraco.

O vento frio, medonho, apagou a lamparina que permaneceu acesa mesmo já sendo perto do meio dia.

Lá fora a chuva escurecia tudo.

Todos sentiram como se estivessem no meio de uma nevasca.

O frio era intenso.

Refletida na parede de taboas, como se projetada num cinema, a cara risonha de um pirata, com chapéu de três pontas enfeitado com pluma, olhava diretamente nos olhos de Ribamar e falava-lhe um bocado de coisas que ele não entendia, mas sabia ser francês.

Ribamar, olhos fixos na imagem levantou e mandou que a mulher levasse os meninos para a colônia de pescadores.

- Luis Filipe ficará comigo. Leve os meninos e Luiza. Deixe sua mãe que nós cuidaremos dela.

Já anoitecia e os dois tinham cavado desde que as mulheres tinham levado as crianças para a colônia e nada.

A chuva facilitava o serviço, fazendo o trabalho da enxada.

Só baldes eram necessários.

O balde bateu em algo liso e resistente. Era madeira trabalhada. Um volume grande. Tirada a terra de volta, não havia dúvida, era uma arca. Força. Muita força e a arca ficou livre de trezentos e tantos anos de entulho.

A madeira resistira à salinidade. Um metro de frente, setenta centímetros de altura por sessenta de profundidade.

Amarrada com corda e esforço de bicho conseguiram tirá-la do buraco. As dobradiças e a fechadura haviam sido danificadas, mas o conteúdo, quando aberta era deslumbrante.

Milhares de moedas de prata e de ouro, colares de pérolas, copos e jarras de prata, muitas pedras preciosas, verdes, azuis, diamantes.

Pai e filho estarrecidos não sabiam o que fazer...

A notícia do achado correu rápida, todos queriam ver.

Televisão...

Rádio...

Jornais...

Polícia...

Museus...

Fundação de Cultura....

Polícia Federal...

Confisco do achado.

Burocracia infindável para liberação dos 10% cabíveis a quem acha um tesouro...

Seis meses depois do caso, o Chefe de Gabinete do Governo do Estado, determinou a Gerente de Habitação da Secretaria de Obras que mandasse o Chefe da Seção entregar as chaves de uma casinha embrião ao senhor José de Ribamar para que ele fosse morar bem longe do centro para evitar aquela presença incômoda nos corredores da Administração Pública.

Segundo haviam falado, com os 10% José de Ribamar poderia ter comprado, à vista, fazenda com gado, trator, caminhão, carro pequeno, roupas para os quinze etc.

Mas o tesouro sumiu como havia sumido a cara do pirata...