Programa Nordeste Fertil

Conta que o presidente Luiz Horácio e sua comitiva visitavam o sertão nordestino para aferir o sucesso do Programa Nordeste Fértil.

Nesse Projeto foram construídas muitas cisternas espalhadas pelos municípios e a água era conduzida por meio de tubos de ferro fundido para quase todo o sertão nordestino. Com essa medida o solo estaria mais apropriado para as diversas culturas da região e a fome começaria a ser erradicada do nordeste.

Saíram da capital do país em Boing presidencial ultra moderno aterrizando numa próspera capital nordestina. Lá o presidente deparou com um Programa que ia de vento em popa. O que lhe parecia normal.

Mas havia queixas de que nos cafundós do Estado a coisa ia de mal a pior. Incrédulo, o homem ordenou que embarcassem para um distrito pouco assistido para que ele soubesse como era o “ir de mal a pior”.

As notícias começaram a ficar ruins naquele mesmo instante, pois não poderiam viajar de avião para distritos que não tivessem aeroportos. É claro!

Isso lá era verdade, pensou o presidente com seus bufões. Iriam de carro então. E lá foram até Esperancinha, cidade pequena com pouco mais de 2500 habitantes, poeirenta, com algumas lojinhas de alimentos toscos e uma mercearia onde se servia refeição em prato-feito. No armazém, sentaram e comeram arroz, feijão com toucinho, mandioca cozida com alecrim, e galinha de panela. Não se tratava de um banquete, mas a comida era boa. Não fossem aqueles mosquitos, a sujeira acumulada nas mesas, a louça quebrada nas beiradas, os talheres entortados, o sol escaldante sobre as cabeças, teria sido um bom almoço. Salvo pela cerveja gelada que foi oferecida gratuitamente para comitiva. Uma única latinha para cada um.

Eu estava sentada numa outra mesa e vi a cara de desolação da comitiva quando lhes foi negada a segunda latinha sob alegação de que faria falta para o freguês que chegasse depois deles.

Curioso o presidente tomou a frente e perguntou ao proprietário se o Projeto Nordeste Fértil tinha beneficiado Esperancinha, no que a resposta foi afirmativa devido a proximidade com a Capital.

Mas o Chefe do país ainda queria visitar um lugarejo que não tivesse nada além parcas casinhas de pau-a-pique, e seguiram em pau-de-arara até a desconhecida Jaicosa.

Movida pelo impulso patriota, juntei-me a eles nesse trecho da viagem. A estrada que nos levava à cidade escolhida era quase intransponível. Sinceramente não saberia dizer o que havia mais: buracos ou poeira. Nenhuma vegetação à beira da estradinha. Ninguém cruzou nosso caminho em mais de duas horas. Mas, finalmente, lá estava Jaicosa! Cidade ausente do mapa do Estado, mas lá estava ela com suas, quase dezoito casinhas. Quase porque uma delas estava em construção há mais de cinco anos e seus proprietários haviam morrido de doença ruim. O esqueleto de construção, num caso como esse, era abandonado à própria sorte. Era aquela a cidade que o presidente queria conhecer!

Meu corpo doía em todos os músculos e ossos. O calor nos castigava. Nossas vestes não eram apropriadas e nossa última bebida tinha sido aquela única latinha de cerveja lá em Esperancinha. Desci com dificuldade do pau-de-arara, mas estava tão curiosa em saber que tipo de gente habitava aquele lugar inóspito que nem liguei para minhas dores. Embolei-me no meio da comitiva de mais de 20 pessoas e me esgueirei para frente do grupo, pois não queria perder nem uma ceninha do acontecimento histórico que estávamos vivendo. Eu, e Jaicosa.

O presidente Luiz Horácio protegido pelos seguranças pediu ao assessor que batesse à porta da casa mais próxima. Saiu de lá uma mulher barriguda, despenteada, cheirava mal a pobre coitada, com vivos sinais de sujeira por todo o corpo. A boca sem dentes nem sorria. Não demonstrou nenhum espanto ao ver aquele bando de estranhos à sua porta, apenas perguntou o que queriamos. O assessor sorriu brandamente diante da falta de curiosidade da moradora e pediu água para beber. Ela nem titubeou, fechou a portinha e manteve o grupo do lado de fora.

O assessor sem entender olhou para o Presidente que disse “insista, ela não entendeu o que você disse”. Ele bateu de novo. A porta que não estava trancada, foi abrindo lentamente e lá vem a mulher desajeitada, mancando e coçando a cabeleira.

Ele diz: “Boa tarde. Somos da comitiva do Presidente e queremos saber se o Programa Nordeste Fértil chegou por aqui”.

Ela foi imediatamente dizendo: “Aqui não chegou ninguém não sinhô. Faiz mais de seis anos que não vem ninguém aqui. O derradêro foi o Doto Lino, meu cumpadre. Veio e me feiz um fio, o Luiz, e dispois num vortô mais. Nunca mais.”.

O grupo não pode evitar um risinho aqui e outro ali. De repente estavam todos rindo alto. Inclusive a dona da casa. Quando todos já conseguiam falar o assessor se apressou em pedir água para beber. E ela não demorou em atende-lo. “Luiz Horááááácio, vem cá meu fío. Vai lá na tina buscar água pro moço bebê que ele chegô agora de viaji e tá aguniado”.

Ao ouvir que ela dera seu nome ao filho, o presidente adiantou-se e, com um sorriso incomum, perguntou: “- A senhora deu o nome de Luiz Horácio ao seu filho em homenagem a alguém?”

A mulher não reconhecendo o presidente foi logo dizendo: “- Ahn, qui nada seu moço! O nome dele é Eufrázio Lino. O mesmo nome do pai, do avô e de um montão di genti aqui de Jaicosa. Mas dizem qui ele se parece muito com um tar de Luiz Horácio, intão o povo chama ele assim”.

E o presidente emendou: “Ele ainda poderá ser famoso, senhora. Poderá ser até chegar a Presidente do Brasil”.

E a mulher se benzendo: “Arre qui não, seu moço, é que farta um dedinho na mão dele , i é purisso que o povo daqui chama ele assim.