A viagem (Humor)
O calor prometia. Imagine-se na rodoviária Novo Rio, num mês de janeiro, às treze horas, num calor de 32 graus à sombra. A multidão se aglomerando na plataforma de embarque, que parecia mais um corredor. A turba, feliz, parecia não se importar em não poder mexer um dedo do pé. Quem se mexesse perdia a vaga no centímetro quadrado de cimento que lhe cabia. E eu ali, espremido entre dois meninos barulhentos, melecados pelos picolés que seguravam como armas para que ninguém ousasse invadir seus espaços. Eu fazia o que podia para me defender das investidas dos picolés e das mãos grudentas, fazendo pêndulo com o corpo, pois se arredasse o pé teria que ficar com ele suspenso, como uma garça dormindo. Finalmente, depois de uma eternidade, encosta no box o ônibus da Macaense que me levaria ao paraíso de Rio das Ostras. Conseguir chegar ao ônibus seria quase uma odisséia, mas eu já tinha bolado um plano perfeito. Segurei um dos pestinhas melequentos pelos ombros e fui abrindo caminho, brandindo o braço que segurava a arma melequenta. Finalmente, depois de ter aprendido alguns palavrões novos disparados, tanto pelo guri como pelos que fugiam do picolé nojento, consegui entrar no coletivo. Sentei no canto e abri a cortina, aliviado, olhando a malta ensandecida se acotovelando na plataforma. Não vi mais os pestinhas. Tomara que tenham se desmanchado no calor, junto com seus picolés. Passada outra eternidade (será que há mais de uma?), o ônibus dá a partida. Ao meu lado sentou-se um Senhor de cabelos grisalhos e sorriso simpático. Pensei com meus botões “Esse vai puxar conversa“ Não deu outra.
- Boa tarde
-Boa tarde, respondi.
- Vai pra Macaé?
- Não. Vou para Rio das Ostras, se não me desmilinguir antes nesse calor.
- Coincidência. Também vou passar uns dias em Rio das Ostras. Tenho parente lá.
E fomos conversando banalidades. O homem era realmente agradável e bem humorado. Quando nos demos conta o ônibus estava parando na rodoviária de Araruama para uma parada de dez minutos.
- Vou correndo ao banheiro. Tomei uns chopes e preciso aliviar, disse-me, com um sorriso que não entendi se era só um sorriso ou se escondia alguma arte, dessas que carioca gosta de aprontar.
- Também vou, disse-lhe.
Um Real, pago na entrada e sem regateio, dizia a voz mal humorada do responsável pelo sanitário. Fizemos nosso xixi e já iamos saindo quando meu companheiro de viagem virou-se para o homem do banheiro e saiu-se com essa:
- Distinto. Gastei meu último real no seu banheiro. Tenho agora somente essas moedas que dão um total de 35 centavos. São suficientes para um singelo pum?
Sorriu e não esperou pela resposta.