Infeliz, mas com humor
Beth é uma mulher interessante. Nem feia nem bonita. Agradável, sempre com um sorriso e falando pelos cotovelos, mas tem um grave defeito. Apesar de bem sucedida profissionalmente, culta, viajada, teima em se achar infeliz, sozinha, sem amigos. Abandonada. E nessa infelicidade, desenvolveu um dom raro. Conta suas desventuras com tal graça e alegria, que parece falar de uma pessoa que não ela mesma. E, melhor. Ou, pior; desfia seu rosário de lamentações com o humor dos grandes humoristas. Entre muitas histórias. Ela contou noutro dia uma particularmente engraçada. Diz que aderiu, depois de relutar muito, à tecnologia da moda. Saiu de casa resoluta, decidida a comprar um celular. Saiu firme com esse pensamento fixo, que era pra não desistir antes de entrar no elevador e ganhar a rua. Folhetos de propagandas na bolsa entrou na loja e nem quis pesquisar os modelos. Pediu logo à funcionária que a atendeu;
_ Quero o modelo mais novo, com tudo o que tenho direito. Mensagens, torpedos, mails e, principalmente, telefone e mp3 pois no mínimo fico falando sacanagem com o Wando enquanto ele canta. A moça do balcão, solícita, trouxe a última novidade em celulares. Beth pagou em dinheiro vivo. É. Cheque tem que ser preenchido, demora que provoca pensamentos, que provocam dúvidas, que provocam arrependimento. Que provoca desistência. Embrulhar? Pra quê? _ já vou usar. Saiu da loja olhando o novo brinquedo, embevecida. Foi direto para o trabalho. Colocou o celular sobre a mesa e se concentrou na atividade diária. Concentrou-se? Tentou. E foi aí que caiu a ficha. Miserável máquina silenciosa. Ou defeituosa. Por que os celulares de todos os colegas não param de tocar? E o dela, ali, novo, novíssimo, quieto, indiferente à sua agonia. Pronto, olha o arrependimento aí. E a argumentação definitiva, aquela que justifica a infelicidade. “-Pombas, mas pra que eu quero um celular com tantas possibilidades se não existe a possibilidade de eu receber nem ligação por engano?. Nem uma piada, aviso de falecimento, um trote, um xingamento?” Mas Beth, apesar de tudo, tem uma mente fértil, sempre pronta para solucionar questões difíceis. Levantou-se e saiu da sala deixando o celular onde estava. Pegou o elevador e desceu os 18 andares que a separavam do orelhão mais próximo, em plena avenida. Pronto, acabara de receber seu primeiro telefonema. Pena que não estava lá para atender.Mas pelo menos tocara. E Beth teve outra idéia brilhante. Tornou a ligar, desta vez para casa. Deixou recado na secretária eletrônica. “Liga pra mim”. E deu o número do seu celular novo, novíssimo.