No dia que comi Neguinha...

Meus amigos fizeram-me uma sacanagem na Semana Santa no ano de 1978, há trinta anos atrás. Roubaram minha pata “Neguinha”, para oferecer ao Judas.

É uma tradição folclórica no nordeste o roubo de Judas. O pessoal sai levando tudo que encontra pelo caminho, desde terno, gravata, bicicleta e até bichos de estimação. Os objetos e animais roubados são devolvidos sob pagamentos de “fiança” uma pequena colaboração para ajudar na festança. A meia noite do sábado tem o testamento e acontece a queima do Judas.

Mas, como devolver uma vida?

Para mim essa farra tornou-se sem significação nenhuma e sem razão de acontecer a partir do momento que mataram um ente querido da minha casa.

Foi uma comoção geral, com o desaparecimento da mesma. Na realidade “Neguinha” quando estava no cio, gostava de fazer uns vôos rasantes nos quintais dos visinhos para dar umas “patadas”. Ela era danadinha... Certa vez por falta de opção deu em cima do galo de dona Ritinha. Foi uma confusão...

O marido dela o “Apatalhado” não dava conta do recado. A vida dele era passar o dia e noite no tanque que meu pai construíu para eles se divertirem. Essas histórias eu conto depois... risos

Minha irmã Edinha ficou de cama desconsolada. Bebela deu febre psicológica. Os meus irmãos Dudu, Dilsinho e Carequinha, ficaram sem querer se alimentar direito em detrimento a tristeza que pairou em nosso lar.

Ao amanhecer fui convidado para almoçar na casa de meu amigo, Geraldo. “Gêra”. Estavam também por lá os amigos, Alisson “Zé Radinho”, Ailton “Babão” e Francisco “De arroz”

Chegando lá me falaram que o cardápio era galinha assada e então detonei, inocentemente sem saber que estava comendo a minha pata. Só mais tarde eles me falaram que tinha sido Judas, o mandante do crime da pata “Neguinha”.

Não contive as minhas lágrimas. Retirei-me daquele ambiente imediatamente.

Não consegui imaginar o tamanho da crueldade que meus amigos de infância tinham feito comigo. A Pata tinha sido criada com muito carinho, junto com seus parentes. Deixou na orfanalidade o marido “Apatalhado” e os filhinhos “mané” e “quinzin”. Essa família jamais iria para as minhas panelas.

Desde desse dia em diante subtrai da lista de freqüência da minha amizade todos aqueles que participaram daquele assassinato. Na verdade ficaram resquícios da relação fraterna que mantínhamos no nosso bairro.

Eu me senti o culpado daquela tragédia. Os patinhos viviam felizes na roça e eu tive a infeliz idéia de trazê-los para criar no quintal lá de casa. Pai e mãe concordaram na época.

SÉRIO MESMO.

Zédio Alvarez
Enviado por Zédio Alvarez em 19/07/2008
Reeditado em 19/07/2008
Código do texto: T1087319
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