CAUSOS DA BOLEIA – É MAIS FÁCIL FAZER UMA MENINA DO QUE CONSERTAR UMA MULHER.
CAUSOS DA BOLEIA – É MAIS FÁCIL FAZER UMA MENINA DO QUE CONSERTAR UMA MULHER.
- O Senhor Vai pro Rio?
Uma voz feminina perguntou, às minhas costas, enquanto eu brigava com a máquina de refrigerantes num mercadinho em Ubá, Minas gerais, para que ela aceitasse uma nota de um real já, bem gasta, que ela teimava em devolver não sei por quê.
- Eu vou pro Rio, sim senhora. Posso ajudar em alguma coisa? É alguma encomenda?
- Eu vi a placa do caminhão e por isso eu vim aqui lhe perguntar, mas não é encomenda não, eu estou precisando voltar pra lá ainda hoje.
- E não tem dinheiro pro ônibus.
- Não é isso. Eu preciso levar a minha filha e minha neta. Ela está sofrendo muito com o seu casamento. Eu já estive aqui há uns meses atrás pra buscá-la, mas ela não quis ir. Então, eu só levei a minha neta mais velha, que ela teve ainda adolescente. Mas agora vai ter que ir de qualquer jeito. Ela é apaixonada pelo safado do marido, não sei o que ela vê nele.
- E onde é que elas estão que eu não estou vendo?
- Estão lá na casa dela esperando. Eu vim aqui pra ver se dava um jeito de conseguir alguém pra levar a gente. Aí, com a graça divina, eu vi o caminhão e me disseram que era do senhor.
- Então vamos ver o que a gente pode fazer, dona. Eu já tive aborrecimento por causa desse negócio de ter o coração tão mole. Uma vez eu tive que expulsar um pastor e a mulher dele do meu caminhão. Já tive até que aparar criança que nasceu na boleia. Até com polícia eu quase me envolvi por causa de uma garota que eu trouxe lá do Nordeste a pedido da mãe dela pra entregar pra irmã num convento. Mas nem sempre foi ruim, por conta disso já me aconteceu, também, muita coisa interessante.
Chegando à casa dela, a filha estava sentada na varanda. Uma morena, quase menina, e uma criança aparentando dois anos. Em volta delas um monte de sacolas, mochilas e malas, parecia que estavam numa ilha de plástico. A moça estava com o rosto inchado de chorar.
- Anda logo, Wilma! Vê se ajuda o moço a botar as coisas no caminhão, ou você quer ficar aqui aturando esse homem, em vez de ficar com a sua família que sempre lhe apoiou e lhe ama? – Ela falou para a filha.
- É só isso aqui seu... Ih! Nem sei o seu nome. Se o senhor me disse, eu já até esqueci.
- Meu nome é Rui Barbosa, mas pode me chamar de só de Rui, é mais prático.
- Pode deixar que a gente não lhe incomoda. Se o senhor quiser, nós vamos aqui atrás mesmo, pra não lhe atrapalhar na direção, não precisa de conforto. O senhor já está fazendo muito e eu só quero tirar a minha filha daqui.
Começamos a colocar as coisas na carroceria do caminhão. Quando chegou a vez de uma caixa de papelão, eu não consegui levantá-la sozinho, não sei o que continha, só sei que era muito pesada. A filha dela veio me ajudar a pegar a caixa para colocá-la na carroceria. Fiquei até com dor nas costas. É por isso que ela estava procurando um caminhão, num ônibus seria muito difícil carregar aquelas tralhas todas.
- Eu não vou poder ir direto pro Rio não moça, já vai começar a anoitecer e eu pretendo dormir num camping de um amigo meu aqui perto. Eu só parei aqui pra comprar algumas coisas de higiene pessoal que estão acabando.
- Eu já imaginava que o senhor não iria direto por causa do adiantado da hora, mas eu nem estava pensando em acomodações, eu só queria ir embora. A gente dorme até ao relento se for preciso – disse a mãe. Ela me ouviu falar com a moça.
- A gente pode ficar lá onde o senhor vai ficar? – Perguntou a filha – É só por causa da minha filhinha. Ela está meio enjoada, querendo mamar e está sentindo falta do pai.
- O Campista tem sempre umas barracas que ele aluga pra quem quiser pernoitar. Eu mesmo faço isso quando fico lá. Também tem uma lanchonete. Se vocês quiserem podem ficar lá também. Amanhã a gente segue pro Rio, o caminhão está vazio mesmo.
- Então a gente vai com o senhor – Disse a filha.
- Já que decidimos, vamos logo terminar de botar as coisas na carroceria do caminhão pra gente não pegar a estrada de noite. O seu nome é Wilma, não é?
Chegamos ao camping, à noite já tinha caído. Acertamos com o Campista o nosso pernoite. Uma vez ele me disse o seu nome, mas eu já até esqueci qual é. Eu o chamo de Campista e ele não reclama, mas também não ligo quando ele me chama por “ô do caminhão”. Deve ser pelo mesmo motivo ou, talvez, para sempre saber quem eu sou, independentemente do nome.
Nós alugamos duas barracas, uma para elas e outra para mim. Tomei um banho gostoso, daqueles que o meu corpo estava querendo há muito tempo. Fizemos um lanche e eu sentei numa cadeira dessas de armar e fiquei olhando o céu estrelado. Caramba! O céu do interior tem muito mais estrelas do que o da cidade, não dá nem para contar. É um cinturão imenso, algumas piscando com mais intensidade e frequência.
Eu estava tomando um licor artesanal, feito de amora, especialidade do Campista. Divino! Saboreando a noite fresquinha, ouvido o trinado dos grilos. Estava pensando como eles conseguem fazer aquele ruído roçando as pernas, quando vi a Wilma sentada perto da barraca delas, olhando para o nada, quando resolvi me aproximar dela.
- Você está muito triste? – Eu perguntei.
- Não. Muito aliviada e com medo – Ela respondeu.
- A minha mãe e minha filha já estão dormindo, elas estão muito cansadas. Minha mãe estava dando a mamadeira pra ela e acabou dormindo também – ela disse.
- A sua mãe é uma mulher tinhosa, não é? Sabe que eu nem sei o nome dela? Acho que ela se esqueceu de me dizer.
- O nome dela é Elizete. Ela é assim mesmo, quando cisma com uma coisa não há santo que a faça mudar de ideia. Eu contei pra ela umas coisas que estavam acontecendo e ela disse que vinha me buscar de qualquer jeito. Quando eu me dei conta,ela já estava na porta lá de casa. E o senhor, é casado?
- Não. Sou divorciado.
- E filhos, o senhor tem?
- Não. Ainda não. E você, só tem essa?
- Não, tenho mais uma, tive ela com quinze anos, beirando os dezesseis, é de outro homem.
- Ah, é mesmo! A tua mãe me falou, que levou a menina pro Rio há algum tempo atrás e você não quis ir.
- Essa se chama Jeniffer, com dois efes, e o da outra é Yasmin. Quando ela nasceu, essa não, a outra, a mais velha, eu era cheia de angústias próprias daquela fase, o auge da adolescência. Não tinha muitos sonhos na cabeça. Naquela altura da vida os hormônios dominavam as minhas vontades e controlavam os meus pensamentos e atitudes. O corpo viçoso de mulher, recém brotado, querendo dar vazão àquilo que vinha, às vezes, lá de dentro e saia, assim, dando forma a cada parte do corpo. Mas os anseios de adolescente eram reprimidos pela vigilância rígida da minha mãe, preocupada com as companhias e com os caminhos para onde elas poderiam me levar.
- Gostei disso! Linguagem poética. Você lê muito?
- Eu gosto de ler revista de TV e ver novelas e sou muito sonhadora. Mas deixa eu continuar. Por conta do controle da minha mãe, eu tinha pouca chance de sair com as colegas. Baile então, nem se fala! Beijar na boca de um rapaz era um sonho que já tinha se realizado para todas as outras meninas e os relatos picantes só serviam para atiçar a minha imaginação. Um dia, eu notei que tinha um homem que sempre ficava olhando pra mim quando eu passava, sentia o olhar de cobiça como se estivesse tirando a minha roupa. Uma coisa estranha que mexia comigo. Eu gostava muito daquilo, e tinha medo por causa disso. Não sabia se era só pela possibilidade de aventura pelos caminhos desconhecidos do sexo, ou se estava mesmo atraída por ele. As histórias das amigas e aquele homem faziam com que eu sonhasse. Quando estava sozinha à noite na cama e os meus pensamentos, então, voavam e viajavam levados pela minha imaginação. Isso tudo fazia pressão pra que me rebelasse e quebrasse a redoma com que minha mãe, super protetora, procurava envolver-me, por causa do que se contava nas redondezas, fuxicos de aborto e garotas perdidas.
- É isso mesmo, mulher é que nem pipoca, quando dá uns pulinhos vai direto pra boca do povo. Hahahaha! – Eu mesmo achei graça do que disse.
- Acho que era disso que a minha mãe tinha medo – ela continuou, acho que queria desabafar -. Um dia ele se aproximou de mim. Já sabia que tinha conseguido atiçar o meu fogo e eu me entreguei à paixão pelo meu “nego” sedutor, era assim que eu o chamava, embora o nome dele fosse Luiz, totalmente deslumbrada. Com a sexualidade aflorada, nem me importei com o fato de ele ter um irmão que se envolvia com tráfico de drogas, fato que escondi da minha mãe. Também não contei pra ela que estava namorando, se não ela iria querer saber quem ele era e se descobrisse o meio em que ele vivia, não iria permitir, principalmente porque ele também consumia drogas. Eu sei disso porque um dia ele estava me esperando onde a gente costumava se encontrar, totalmente fora do normal. Ficou me fazendo carícias mais atrevidas, dizendo que me amava e, que estava louco por mim. Eu fugi dele naquele dia, não estava preparada, mas eu gostei muito, foi muito bom. Eu sei que a vida dele não era fácil, foi abandonado pelo pai quando ainda era pequeno e perdeu a mãe num hospital à espera de atendimento, morreu de infarto nos braços dele. Essas coisas fizeram dele um homem revoltado.
Eu já estava ficando desconfiado das intenções dela. Comecei a pensar que ela não queria só desabafar.
- Nós já estávamos de namoro escondido há seis meses. A minha mãe não sabia, ou fingia que não sabia, ela nunca tocou no assunto. No dia da minha festa de quinze anos aconteceu. Eu nem pensei nas consequências, foi um momento mágico, eu fui pra casa dele, eu já sabia que ia acontecer, mas era o presente que eu estava querendo. Depois eu iria contar pras minhas colegas e elas iriam morrer de inveja e eu iria saborear a minha vitória contando pra elas detalhe por detalhe. Eu adorei o presente. Era toda dele. Agradou aos meus hormônios e aos meus neurônios, aos meus músculos. Como num sonho o meu príncipe negro me transformou em mulher. Pela minha inexperiência, o meu primeiro era o melhor homem do mundo e eu o guardei em mim o máximo que eu pude, me entreguei por inteiro àquele momento, sem saber que estava guardando dele mais do que eu podia...
- Acho que eu vou lá na cantina ver se tem leite quente. Tá um friozinho, não tá? – Eu falei.
Era só o que me faltava, a garota ficar me contando aquelas coisas. Eu não conseguia mais ficar olhando para ela. Mas quando eu tornei a me sentar perto dela, ela continuou a história:
- Como eu estava contando, quando me dei conta que deveriam estar me procurando, corri pra casa e a minha mãe, desconfiada, perguntou onde eu estava. Eu disse que estava sentindo falta de ar e tinha ido lá fora um pouquinho. “ E demorou esse tempo todo? Você estava com aquele vagabundo, não é?” Então me deu uma bofetada no rosto na frente de todos, foi uma vergonha incrível. Mas nem isso conseguiu apagar o momento em que me tornei mulher da minha memória. A festa acabou e eu só queria ficar sozinha, por um lado envergonhada e por outro, realizada.
- Você não se preocupou em ficar grávida dele? Não passou isso pela tua cabeça?
- Eu nem me liguei nisso, estava com um fogo tremendo. Só me preocupei depois. Sabe como é, né? Adolescente é irresponsável. Faz as coisas, muitas vezes, por rebeldia e nunca pensa nos problemas. Eu só me dei conta do que poderia ter acontecido quando fui me deitar e senti a calcinha molhada. Então, eu comecei a me preocupar, mas não falei pra ninguém. Muitas colegas diziam que já tinham dado e não aconteceu nada.
A minha madrinha me deu de presente uma viagem aqui pra Minas, pra eu ficar uns dias com ela. Foi a primeira vez que eu fiquei longe de casa e da minha mãe. Então, me deu um sentimento de liberdade, de individualidade tomou conta de mim. Fiz amizades, fiquei muito amiga de um rapaz chamado Gilmar e da namorada dele.
Eu estou incomodando o senhor com a minha história? Se quiser eu paro de contar, mas é que assim eu desabafo.
- Não, claro que não. Assim ao vivo é melhor que na televisão.
Ela achou graça e prosseguiu:
- Numa segunda-feira eu passei muito mal, estava muito enjoada e logo pus a culpa num ovo que eu tinha comido. Até comentei com a Joana, a namorado do Gilmar, que estava com medo porque minha menstruação estava atrasada. Minhas tias nem imaginavam que eu poderia estar grávida, mas como eu estava ficando enjoada quase todos os dias, minha tia pediu ao meu tio Luiz pra me levar de volta pra casa. Fui recebida com muita alegria por todos. Mas minha mãe, sabendo da minha indisposição já estava desconfiada. A primeira coisa que ela fez foi olhar pros meus peitos, que nessa altura já estavam se preparando para o começo de tudo e pela sua experiência e pelo seu jeito de me olhar e falar comigo, eu soube que ela já tinha certeza que o meu medo tinha se concretizado. Corri pra a casa de uma amiga que era casada e tinha filhos, contei o que tinha acontecido e ela me perguntou um monte de coisas; quando foi minha última menstruação, se eu ainda continuava sentindo enjoos, se eu estava sentindo meus peitos diferentes... Então, pelo que eu respondi, ela me disse que tinha quase certeza que eu estava grávida. Eu pensei que tinha que fazer alguma coisa pra resolver o problema, com muito medo da minha mãe, que já estava me pressionando pra eu contar o que estava acontecendo. Falei com a minha amiga se tinha como eu tirar, se ela podia me ajudar. Ela disse que o único jeito era fazer um aborto. Mas como é que eu iria arrumar dinheiro? Ela me deu um copo com álcool pra eu beber. Eu bebi e passei muito mal. Então a minha mãe teve certeza que eu estava grávida. Eu estava com muito medo e vergonha da minha mãe e ela me pressionou pra saber quem era o pai. Eu não quis dizer que foi o Nego e ela começou a me interrogar se eu tinha sido estuprada lá em Minas e falou com o meu tio. Mas depois quando começaram a circular os boatos, ela chegou à conclusão que foi com o Nego no dia da minha festa de quinze anos. Ela chorou muito. Acho que não me bateu porque se sentiu culpada. Proibiu-me de fazer muita coisa até de sair de casa sozinha. Quando eu ia fazer os exames pré-natais, ela sempre ia comigo e levava um dos meus irmãos para me acompanhar. Ela tinha muito medo dele, principalmente, depois que ele foi expulso da comunidade por má conduta.
- Coitada da dona Elizete! – Eu disse.
- É mesmo Rui... quer dizer, seu Rui.
- Pode me chamar de Rui, mesmo, eu prefiro.
- A gente nunca dá valor a nossa mãe, mas o que elas sofrem por causa da gente...
Por volta do oitavo mês de gravidez o Nego, apareceu lá em casa, sujo e com um aspecto horrível, aparentemente drogado. Gritava muito me chamando, desesperado. Queria falar comigo de qualquer jeito. Eu me arrependi de ter contado pra ele que estava grávida dele, quando fui procurá-lo logo depois que eu voltei de Minas, pensando que ele poderia me ajudar a dar um jeito pra eu abortar. Ele estava gritando muito na porta e a minha mãe dizendo que eu estava descansando no quarto e que não queria falar com ele, mas ele estava insistindo muito, aí eu fiquei com medo e saí do quarto e disse pra ele que eu tinha mentido, que o filho não era dele e sim de um cara que eu conheci lá em Minas, mas ele não acreditou. Ele quase me agrediu e disse que eu estava fazendo aquilo por causa da minha mãe e saiu chutando a porta com raiva. Ele estava chorando igual a uma criança, acho que foi porque estava drogado.
No dia seguinte, a irmã dele foi lá em casa e me disse que ele tinha certeza que o filho era dele e se eu queria ficar com ele, porque ele queria assumir a criança. Mas eu insisti que não era dele. Quando a Yasmin tinha três meses ele voltou, mas nessa altura ela já estava registrada só com meu nome. Falou que era bonita e que parecia com ele, que e o nome que eu escolhi era bonito e combinava com ela. Depois desapareceu.
Quando a minha filha estava com três anos, aconteceu um acidente com um dos meus irmãos e minha mãe não quis mais ficar morando no Rio. Então, nós fomos todos morar em Ubá. Foi quando eu reencontrei o Gilmar e reatamos a amizade, ele estava mais bonito e era muito simpático. Ele estava noivo da Joana nessa época. Descobrimos que gostávamos um do outro e começamos a namorar escondidos. Logo depois, a noiva dele ficou sabendo do nosso caso e deixou de falar comigo, ele desmanchou o noivado com ela pra gente ficar junto. Apesar de que ela, também, já estava a fim de desmanchar o namoro, porque logo engatou com outro cara.
Assim nós começamos a namorar, embora eu não tivesse contado nada pra a minha mãe. Tinha um primo do Gilmar que vivia se engraçando pro meu lado. Um dia nós fomos a um pagode, eu havia brigado com o Gilmar, coisa boba de ciúme. E o Gilson, o primo dele, não tirava os olhos de mim e eu, pra irritar o Gilmar, comecei a dar bola pra ele. O Gilmar viu, não gostou, e discutiram. Quase teve briga.
Depois, logo fomos embora e ficamos namorando. Naquele dia eu engravidei dele. Quando eu percebi que estava grávida, eu não contei pra ele. Eu já sabia quais eram os sinais e não tinha dúvida, já sabia reconhecer que o meu corpo estava se adaptando pra ser mãe novamente. Não contei nada pra ele a princípio, fiquei com medo que ele não quisesse mais ficar comigo e fiquei tomando chás de ervas pra ver se abortava. Um dia eu pedi a ele que trouxesse umas folhas de uma planta que tinha na casa da mãe dele. Ele falou que sabia que aquela planta era abortiva e perguntou se eu estava grávida e ficou desconfiado. Soube até que ele andou fazendo as contas com uma colega minha pra ter certeza que o filho era dele mesmo. A princípio, fiquei com medo que ele não quisesse mais ficar comigo.
- Gilmar é esse que estava morando contigo agora? – Eu falei só pra despertar, estava me dando um sono danado e eu não queria ser rude.
- É. Mas não dava mais pra esconder e eu tive que contar. Ele parece que aceitou porque continuamos a levar a vida normalmente, só que a gente não vivia junto e a família dele não gostava muito de mim.
A minha mãe tinha voltado pro Rio, porque meus irmãos não se adaptaram lá em Ubá e a minha filha Yasmin tinha ido com ela. Depois de dois anos, eu já estava morando com ele. As pessoas passaram a me dizer que ele estava de molecagem comigo, que ele estava saindo com outras mulheres. Já tinham me dito que ele não prestava, mas eu não acreditei, porque quando a gente gosta muito de uma pessoa, fica como cega. Isso caiu nos ouvidos da minha mãe e como ela não gostava muito dele, resolveu me buscar. Mas eu gostava do cara e não quis vir. Então ela trouxe a minha filha mais velha, a Yasmin, que não era filha dele. Eu fiquei revoltada com ele, porque ele parecia que tinha gostado da ideia de minha mãe levar a minha filha. Eu deixei, porque ela queria ir, também, com a avó. Elas sempre foram apegadas uma à outra e o Gilmar não ligava pra ela.
Agora a situação estava bem ruim mesmo, tanto financeira quanto emocionalmente. Ele ficou desempregado, mas mesmo assim não deixou de me trair. Sempre saía e chegava tarde em casa. Estava vivendo às minhas custas. Aí eu fiquei doente e emagreci muito. A minha mãe soube da minha situação e veio me buscar de novo. Agora eu acho que não volto mais. Cansei de sofrer.
Quando ele soube que minha mãe vinha me buscar, ele perguntou se eu iria deixá-lo mesmo. Eu falei pra ele que se ele me pedisse pra ficar, eu não iria. Mas ele ficou calado olhando pro teto e não disse nada. Eu fiz questão de fazer amor com ele pela última vez. Deitei em cima dele e ele ficou alisando o meu corpo. Aí eu perguntei de novo. “Você quer que eu fique ou não?” Ele me disse: “Se você quiser ficar, fique. Se achar melhor ir embora, pode ir”. Então eu vi que ele não estava mesmo se importando muito. Pior que ele nem se incomodou que eu viesse com a filha dele, nem estava lá quando nós viemos embora, você viu?
- É mesmo! Agora eu me dei conta que não tinha mais ninguém lá na casa.
- Pior você não sabe, eu acho que estou grávida de novo dele.
- Bicho feio hein, Wilma! Como é que você vai fazer?
- Se confirmar, eu vou contar pra minha mãe. Acho que não vou dizer nada pro Gilmar.
- Eu não queria estar na tua pele quando ela souber. Pelo pouco que eu conheço a tua mãe, imagino o que você vai ouvir.
- Eu sei que ela vai falar pra burro. Vai me chamar de irresponsável e de outras coisas. Mas ela é a melhor mãe do mundo e vai me ajudar, isso eu sei. Agora que já te enchi com a minha história, eu vou dormir. Você também precisa dormir, pra nos levar em segurança pra casa. Obrigada Rui, por me ouvir e por nos ajudar.
Ela me deu um beijo no rosto e foi dormir.
No dia seguinte, tomamos café na cantina do camping e saímos para a estrada. Chegamos ao Rio e eu as levei na casa da dona Elizete. Descarregamos tudo, inclusive a tal caixa. Desta vez tinha homem para carregá-la, de forma que nem precisei fazer força.
Despedi-me da Wilma e depois da dona Elizete.
- Até mais dona. Se um dia precisar que eu vá buscá-la de novo é só me chamar. Irei com todo prazer.