TRÊS, DOIS, UM
Há uns meses, o teu médico disse-te que não estavas em idade de loucuras. Proibiu-te de fumar, de beber e quase de fazer sexo. Disse-te: «Se o senhor quer viver mais uns anos, deverá seguir os meus conselhos.» Decidiste obedecer. Reduziste o consumo de nicotina e de álcool. Não conseguiste prescindir do sexo. É demasiado importante na vida de um homem. De qualquer forma, quiseste ficar saudável. Começaste a correr, a suar e a emagrecer no parque. No supermercado, deixaste de olhar para tudo o que te pudesse estragar a saúde. O teu menu passou a incluir alface, tomate, cenoura, beterraba e, imagina, rúcula. À noite, em vez de te dedicares à procura aleatória de um bom naco de carne com o qual pudesses fornicar, passaste a deitar-te cedo. Apareceram-te as insónias. Poder-se-ia, no entanto, dizer que uma noite mal dormida na cama não é a mesma coisa do que uma noite mal dormida numa discoteca. Com o tempo, foste-te mentalizando de que, aos cinquenta e três anos, poderias reconquistar grande parte da vitalidade física que havias tido vinte anos antes.
Ficaste mais atraente. O charme em pessoa.
Deixaste de ressonar e de ter pesadelos.
Ficaste mais calmo.
Mas sabes o que é loucura? É um homem pensar que pode alterar as decisões dos deuses. É um homem com um destino traçado pôr-se a pensar que é livre para fazer o que quiser. É Aquiles pensar que pode escolher não morrer.
Como te chamas?
Adam.
Onde tens a tua Eva?
Na cama, a dormir.
Foste-lhe sempre fiel?
Não.
Porquê?
Sou idiota.
Levanta-te, veste-te e sai para a rua. Apesar de ser ainda muito cedo, caminharás ao longo de vários quarteirões com um sorriso nos lábios. Depois, quando te sentires muito cansado, entrarás num autocarro que te levará para muito longe do ponto onde agora de encontras. Imagina que vais da Europa para a Austrália. Muitos quilómetros. A certa altura, encontrarás um homem que te acenará com uma mão. Dir-lhe-ás: «Conheço-o de algum lado?» Ele responder-te-á que não, que é a primeira vez que se vêem. Voltarás a falar: «O que me quer?» Para esta questão não encontrarás resposta fácil: um sorriso. Não desistirás de tentar saber o que faz aquele homem à tua frente. «O que me quer?» Nada, nenhuma frase, nenhuma palavra. «O que me quer?» Sentirás a tua garganta apertada como se fosse uma lata de Coca-Cola que se atira para o caixote do lixo. Não conseguirás respirar. «Quero o teu sangue.» E morrerás.