A cena, o ato e as cortinas.
A Cena
Dorme o sol em peles gélidas. Aquecem mares reflexivos, suaves melodias corrompidas por estúpidos rojões. Os olhos enternecidos são apalpados por pálpebras envelhecidas. Sentado em mim mesmo, mantenho a postura e o desejo de ser eterno e sereno. Mas sempre que pulsa o coração tem um abrigo, bombeando sangue por onde a vida fez inimigos.
Um turbilhão de pessoas querendo sair, e todas como eu, dentro de mim: aprisionadas na realidade e livres pela loucura. Devoro biscoitos sem fome sentir, e já não leio os livros que um dia ungi. Trago nos meus cigarros a esperança da aquietação. Salivo diante da indiferença, mas me calo na saudação.
Já não sou o mesmo, ainda que carregue milhares de personagens dentro de mim. Perdi o espetáculo e desisti de escrever os fins. Deixo tudo inacabado para prolongar a vida. Espero pelos milagres que certa vez ouvi.
O Ato
Tenho mil pensamentos e desejos, sofrimentos e ensejos, delícias e cumprir. Ando inquieto enquanto aceno, solfejo meus bocejos e faço melodias para não dormir. Fecho os olhos num instante e vejo um Dom Quixote cambaleante querendo explodir. Recolho aos poucos minhas palavras e dou alforria aos papéis em branco. Visto-me de santo, ando mais rápido porque ando tanto, e deixo os temores sambarem em mim.
As Cortinas
Interrompo a peça para não pensar no fim. Não reflito em tristezas e não tenho que sentir, não explico riquezas e não deixo de mentir. Eu sou ou fui assim. Tanto faz o presente, tanto faz o fugir.