O TROCO DE FERREIRA CHAVES
Leia o que disse o advogado, escritor e historiador Lauro Pinto no programa “Memória Viva” da TV Universitária, em 27.03.80, sobre o ex-governador do Rio Grande do Norte Joaquim Ferreira Chaves:
“Joaquim Ferreira Chaves foi um grande governador: espigado falante, beijava as mãos das moças, era muito forte, era duro, tudo dele tinha que ser ali na hora precisa.
Um dia faleceu aqui um fiscal do Ateneu. Ele então passou um telegrama para o Rio de Janeiro, para o ministro da Justiça que era Urbano dos Santos, pedindo a nomeação de um amigo dele. Três ou quatro dias depois veio a nomeação de um inimigo político. Ele deu um murro em cima da mesa e disse: Urbano dos Santos ainda me paga.
Mas, como o mundo é redondo, anos depois doutor Chaves era Ministro da Justiça, acumulando a paste de Ministro da Marinha, quando recebe um telegrama de Urbano dos Santos, que era governador do Maranhão, pedindo a nomeação do Inspetor da Alfândega. “Ah!, há muito tempo espero por isso”. Chamou Deoclécio Duarte que era Oficial de Gabinete e disse:
- Deoclécio, você vai até a Câmara dos Deputados saber se tem algum inimigo de Urbano dos Santos.
Deoclécio foi e no dia seguinte voltou e disse:
- Excelência, não tem. A bancada toda é amiga.
- O quê, tudo é amigo? Você amanhã vai ao Senado.
Deoclécio foi ao Senado e no dia seguinte:
- Então, algum senador?
- Tudo amigo.
- É possível?
Doutor Chaves pensou. Era um homem enérgico, pensou assim um momento, chamou um daqueles secretários e disse:
- Requisite aí uma passagem para São Luís do Maranhão. Você vai passar 15 dias ou mais, o que for preciso, sua missão é secreta. Silêncio, você vai lá, examina a cidade, procura uma pessoa que seja um bacharel, um médico etc. procure uma pessoa que seja inimiga do governador.
O oficial de gabinete foi para o Maranhão, hospedou-se lá no hotel, no dia seguinte saiu procurando ali e tal, perguntando um a um, perguntando a engraxate, tudo era amigo do governador, era unânime. Ele então voltou para o hotel e perguntou:
- Diga-me uma coisa, não tem oposição, aqui no Maranhão?
- Não. Aqui tudo é governador. Agora aqui tem um proprietário de uma mercearia, que esse é inimigo tremendo do governador. Só chama o governador de ladrão, já foi preso diversas vezes, tem duas filhas professoras que é removida para um lugar, quando chega lá, já está em outro lugar, as moças vivem assim...
- Onde é que mora esse homem?
- Ele tem uma mercearia na rua tal...
Ele foi lá e comprou um maço de cigarros.
- Estou gostando de sua cidade, cidadezinha boa.
- E não vai melhor porque esse governador que tem aí é um ladrão.
E começou a conversar com ele etc. mas nada de dizer a missão. No dia seguinte, voltou, comprou outro maço de cigarros, conversou com ele e tal, ele metendo o pau no governador. Então chamou o comerciante lá pra dentro e disse:
- É um segredo que eu tenho para lhe contar, negócio é assim, assim, assim. Você quer ser Inspetor de Alfândega?
- Se for por intermédio desse ladrão, pode riscar meu nome.
- Não, não é por intermédio dele, e contou a história.
- Aceito.
- Mas preste atenção, não diga nada a ninguém, porque você pode cair no ridículo. Eu vou embora e você aguarde.
Voltou para o Rio de Janeiro.
- Então como foi a sua missão?
- Doutor, lá é quase tudo unânime: é bacharel, é comerciante, é médico etc. Agora tem o seguinte: lá tem um rapaz que tem uma mercearia que é o maior inimigo dele, e contou toda a história.
- Está ótimo, está ótimo.Está muito bom. Faz a nomeação dele aí.
E fez a nomeação”.