O enterro de Horácio

Há muitos casos de enterros tristes e outros engraçados. Este fica entre triste, engraçado e assustador.

Conta que num velório numa cidade bem pequena do interior, o cortejo seguia pelo estradão onde o sol ardia o coro dos homens que insistiam em carregar o pesado corpo do Seu Horácio Diniz. Podiam transportá-lo numa carroça bonita ou no carrinho do Dr Juvêncio, mas não, Seu Horácio merecia ser carregado pelas mãos dos amigos, amigos verdadeiros que eram tantos. Um homem tão bom, coitado! A tarefa não era fácil. Eles se revezavam mas mesmo assim, volta e meia, precisavam descansar. O defunto pesava demais! Alguns já estavam arrependidos pela decisão tomada, mas fazer o quê nessa altura dos acontecimentos? Decidiram então dar uma parada à beira do Ribeirão da Cruz Torta que se emparelhava com a estrada naquele trecho. Deixaram a enorme padiola na beira do estradão e desceram o barranco até o rio. Foram todos se refrescar. Até o padre tirou a batina para afugentar o calor. Uns rezavam, outros papeavam sentados com pés na água fria. Por um momento chegaram a esquecer o motivo da viagem.

Depois de alguns minutos de parada já era hora de seguir adiante, mas quando voltaram ao topo do barranco deram com a padiola vazia. Notaram o barranco arreado na beirada e o corpo do pobre compadre Horácio dava sinais de ter rolado morro abaixo, e provavelmente naquele momento estaria nas águas do ribeirão.

Espanto geral! Desceram aos gritos, atropelando-se uns aos outros e se empenharam numa busca quase desesperada, mas nada encontraram.

Os amigos se entreolhavam assustados e diziam:

- Vixe, Meu Deus do Céu! Nós descuidamos dele e ele resolveu desaparecer para assombrar a gente. Quer nos dar uma lição, credo! Minha Nossa Senhora, livrai-nos!

- Que nada Terezinha, vira essa boca pra lá! O Compadre Horácio era um homem bom demais, não tinha vingança no coração e nunca faria uma maldade dessas. Afinal ele sabe que nós todos queremos muito bem ele, e sofremos demais com essa morte repentina – E fez o sinal da cruz Seu Zequinha.

Procura daqui, mergulha lá, levanta os arbustos da borda, e nada!

O povo foi se dissipando devagar, pois já era noite. Todos foram voltando aos poucos para suas casas, frustrados e amedrontados. Alguns corriam.

Até hoje o defunto não foi encontrado. O povo já se conformou e não procura mais. Apenas reza, e reza muito. Que Deus guarde o compadre Horácio! Morreu de enfarto e depois se afogou. Tão bom ele era, coitado!

Os mais medrosos dizem que ele fez isso de propósito para poupar os amigos de carregá-lo até o cemitério. Mas até hoje fazem sinal da cruz quando alguém fala no finado. E sempre falam.