Um estranho no armazém
O sujeito chegou à porta do armazém e parou. Encostou-se na árvore, alternando as solas dos pés no tronco e ficou. Fez um demorado cigarro de palha enquanto olhava insistentemente para dentro da venda.
Conforme escurecia, apertava os olhos como que para enxergar o movimento de uns poucos homens que por lá ainda se encontravam. Parecia esperar a saída de alguém, mas ninguém mais saía, até que as duas portas foram baixadas; uma, pelo meio e a outra, até quase embaixo. Então todos foram saindo sem olhar para o homem, já que antes, de dentro, espreitaram e opinaram fartamente sobre o estranho.
Ninguém o conhecia, mas cada um lhe atribuía uma origem, função ou subordinação e, assim, cada qual arriscava dizer quem era o desconhecido, o que fazia ali, a mando de quem vinha, com quem viera, pois não era fácil chegar até ali sozinho. Agora saíam um a um, mas protegidos pelo todo do grupo, porque tornavam a juntar-se mais adiante.
Quando já haviam andado um bom trecho é que deram falta de um companheiro e resolveram voltar, mas alguns também achavam que não deveriam retornar. Acabaram voltando. No meio do caminho deram com o amigo e encheram-no de perguntas: se o homem ainda estava lá, por que o amigo não viera com eles, o que ele descobrira tendo ficado por último.
Ele não descobrira nada e ainda juntava às antigas uma nova dúvida. Quando saiu, o homem não estava mais lá. Mas então, para onde fora, perguntavam-se. Teria voltado por onde viera? E de onde viera? Então o que fez lá todo aquele tempo, o que queria afinal? E iam seguindo assim distraídos e preocupados em suas conversas quando deram de repente com o estranho que agora vinha pela frente ao encontro de todo o bando. Não houve tempo de combinarem nenhuma ação ou reação, pois haviam se esquecido do atalho por onde nunca passavam porque era quase fechado de mato e, embora mais curto, fazia muito complicado o percurso.
O homem juntou-se a eles em silêncio e seguiu na mesma toada, sem adiantar ou atrasar o passo. Silêncio sempre. Até que um deles, não mais corajoso, mas talvez o mais angustiado naquele momento, arriscou:
_O amigo procura algum pouso, um destino, pois não?
O desconhecido pigarreou, falou baixo qualquer coisa e ninguém ouviu, de modo que continuou tudo na mesma. Um silêncio maior se fez então. E seguiram mais uns cem passos na agonia. O estranho fazia uns gestos súbitos de mexer no bolso, passar a mão na cabeça ou colocar os braços para trás que inquietava sobremaneira os menos corajosos.
De repente ele se abaixou, apanhou um pequeno galho do chão e foi para a beira do caminho como que procurando alguma coisa à borda. Olhava sempre bem para dentro da mata, espreitando algo que os outros não viam. Parou extasiado diante de um calango que lhes cruzou a estradinha. Tirou do bolso uma pequena caixa. Agora seus olhos estavam muito abertos e pareciam sorrir, enquanto a boca mantinha-se apertada, num esforço extremo junto com o restante de todo o seu corpo. Ele queria apanhar um pequeno besouro!
Era maluco o homem? Não falava com eles, só resmungava? Que diabo fazia ele ali? E continuaram, como a princípio, sem saber nada do novo companheiro, até que ele gritou um ‘oh, God!’ e mais muitas coisas que eles não compreenderam; apenas entenderam que não falavam a mesma língua; aquele era um estrangeiro perdido, deixado ou esquecido por ali.
Aos poucos, mais aliviados, foram vendo que o homem tinha fome e estava muito cansado; seria talvez um cientista, como falavam os filhos, e não lhes apresentava perigo algum; ao contrário, precisava que lhe dispensassem alguns cuidados antes que viesse a causar-lhes preocupações, desta vez, com saúde ou morte, sim, mas a dele. Um coitado.