Filonema no mutirão da roça

Contam que era tarde já. Ia pra lá das cinco e o sol ainda ardia no lombo dos caipiras na roça de Juvenal Dornelis. Era um mutirão armado para roçar mais de 1 alqueire. O povo escorria de suor e água naquelas alturas já era bem pouca.

Na cabeça, Filomena, a única mulher na empreita, amarrou um lenço amarelo e no pescoço tinha outro branco para absorver o suor. Era acostumada no eito e não tinha homem na região que tolerasse uma enxada feito essa mulher! Chegava na roça ainda escuro, e lá ficava até escuro ficar de novo. Comia pouco e falava menos ainda. Não havia mutirão que Filomena que não fosse convocada. E ela ia de bom grado. Gostava de ajudar o povo da vizinhança.

Vez ou outra ela tirava do bolso um pedaço de coco branco e roia tudo bem devagar. Dizia que era pra não afobar de fome. Assim passavam as horas.

Seu Juvenal Dornelis viu aos poucos os homens entregando as ferramentas no barracão, e se despedindo. Passavam pelo caramanchão, bebiam café com leite e comiam um pãozinho com mortadela. Levavam um apertado abraço do proprietário e um obrigado sentido pelos serviços prestados.

Já ia pra lá das 6 e o povo fez fila para devolver ferramenta no barracão. Só ficaram Filomena e Seu Geraldo Fininho. Iam trocando falas em monossílabos e capinando, limpando e capinando, conversando e limpando, capinando e rindo. O dia passou, a noite chegou e Seu Juvenal foi ter com eles:

- Opa meus amigos! Sô muito agradecido demais por vocês terem me ajudado esse montão. Agora só falta uma tirinha de terra e amanhã eu dou conta dela. Tem café no caramanchão.

Nisso, olha esquisita a Filomena e diz:

- Ué, mas o mutirão não era pra capiná até o mourão do pinheiro? Então nós vamos capiná até lá. O senhor não precisa ficar preocupado não que essa empreita é coisa leve. É só demorada, mas é bem levinha. Né não Geraldo?

E Seu Geraldo Fininho argumentou:

- Pois é Filó. Mais uma horinha a gente dá cabo de tudo isso. E vamos qui vamo. A gente não pode pará – e foi puxando da enxada e arrastando uma moita seca pro lado.

A Filomena riu desajeitada e balançou a cabeça em aprovação. Recomeçou a tarefa dando umas risadinhas e cantarolando uma moda de viola que o Geraldo gostava de tocar. Pegou um pedacinho do coco branco e deu pro amigo. Riram e roeram. Depois voltaram pro eito.

Seu Juvenal que mal conhecia a Filomena ficou incrédulo. “Mas que mulher afrontosa e forte!”. Afastou-se devagar e pegou uma ferramenta que há horas tinha dispensado no canto do barracão, e começou a capinar também. “Se ela fica, então eu também fico!” – pensou o Seu Dornelis.

-Eita pinheirão bonito, esse! – disse Filomena olhando o pinheiro que encostava no mourão.

- Então vamo embora Filó que eu ainda quero tocá umas modinha lá no Xico Gordo, hoje é dia de forró – disse entregando a enxada e fazendo uma reverência ao proprietário.

Filomena tirou o lenço da cabeça e secou a testa molhada, limpou a mão, e ajeitou o cabelo preto no alto da cabeça prendendo com uma fivela metálica. Tirou de um dos bolsos um relógio de pulso e conferiu a hora.

- Então vamos Geraldinho, que eu também quero ir nesse forró – disse e acenou para Seu Juvenal em despedida.

Caminhavam em passos largos, Filomena com sua enxada (não usava outra de jeito nenhum) no ombro, e um enorme sorriso nos lábios:

- Vá lá Geraldinho, canta aquela modinha da paulistinha. Vai. Começa que eu te ajudo – disse Filomena acompanhando o homem nas longas passadas - Moreninha linda do meu bem querê é triste a saudade longe de você...

E assim terminou o mutirão...

ANA MARIA MARUGGI
Enviado por ANA MARIA MARUGGI em 22/06/2008
Código do texto: T1046334
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