Confessei minha vida a um falecido.

Minha cabeça parecia estourar, entrei naquele ônibus de viagem a mil por horas, outra vez uma viagem sozinha em busca do nada. Passei dias tentando me encontrar, a única coisa que tinha encontrado era a dor de cabeça que eu não tinha.

Sentei na poltrona, não olhei nem a numeração, depois de alguns entra e sai de parada, entra uma senhora e reclama com o cobrador.

Ele vem e diz: senhora esta na poltrona errada, a sua é do lado do senhorzinho que vai pra claras. levantei bufando, aquela magricela, por que não sentou em outro lugar.

Sentei pensando em todos os meus problemas, do lado do Sr que iria para claras.

E comecei a falar com ele...

Não é fácil estou cansada dessa vida,imagina, ainda mais com tudo isso que estou passando, tem essa magricela pra reclamar o lugar, o senhor é muito calado. Não sei mais o que faço da minha vida, sempre trabalho pra burro, meus sonhos ficaram pra trás, gostei da pessoa errada. Queria ser outra pessoa, estou indo para uma cidade depois da sua, para ver se consigo recomeçar, meu filho que criei com tanto carinho, foi embora pra outro país, peguei namorado... Agora é ex, com uma mulher mais nova e rica na minha cama.

Ui... Nossa desculpe esbarrei no Sr, nossa está com frio? esta gelado,tenho minha jaqueta na bolsa, vou pegar... Aqui esta bem escuro esse ônibus, não acho bem essa lanterninha... Ah deixa... Dá pra mim te tampar... mas voltando ao que estava falando com o Sr.

A vida não é fácil... Nossa falei até na cabeça do Sr, parece até que cochilou...

Próxima cidade... Claras... Gritou o trocador

Senhor. É a sua cidade? Não é? Sr?

Chamei o trocador... Pois o Sr não respondia, nem sei qual o nome dele... Eu falei tanto que nem perguntei... Nossa.

De repente entra uma senhora no ônibus para pegar e acompanhar o senhorzinho de claras. Mas que gritaria ela arrumou... Papai. Pai... Meu pai esta morto...

Perde... Morto?

Você ta louca! Morto não... Viemos conversando a viagem toda... Ou melhor, eu vim falando a viagem toda...

Ônibus parado, ambulância, médicos que confusão.

Eu lá na expectativa de uma resposta do senhorzinho...

Foi então que o médico virou se para a filha do senhorzinho e disse...

Minha filha seu pai enfartou tem mais de uns cincos horas, ou seja.

Acredito que ele sentou se na poltrona cochilou e faleceu, uma morte serena sem qualquer dor.

Eu escutei muitos gritos naquele momento de desespero, mas juro pra você que tive a mesma vontade de gritar também, imagina eu conversando a mais de cinco horas com um morto.

E acredite-me vim cinco horas de viagem conversando com um morto, ou seja, falei até... E coitado. Coitado nada. Ele já nem estava aqui... Até isso me acontece... e ainda pra completar tampei o morto com minha jaqueta preferida, bem que uma hora eu achei estranho.. Aquele sorrisinho... Estava muito escuro... E ele tão calado. Não era um sorriso ele morreu mesmo foi com os dentes reganhados... Se eu contar ninguém acredita. Mas confessei a minha vida a um morto sorridente.

Depois de tanta confusão segui a viagem, deixei de presente ao morto minha jaqueta e segui minha viagem de recomeço. Que recomeço... Cinco horas falando ao defunto sorridente.