Joéliton era cabra oriundo do nordeste brasileiro. Daquelas mais longínquas paragens deserticais, onde fome e cobiça não se encontravam. A fome era tão grande, e magra, e feia, que ninguém, nem a cobiça a cobiçava. E a cobiça, é estimulo de poucos, e a fome, mal alimentada que era, não tinha pique para correr atrás dela.
Sertão do agreste; lugar de dunas e jumentos descomunais, mais parecendo dromedários. Por quê? Por causa da corcunda porra; era o calo que os fardos e os sacos de farinha faziam no lombo dos pobres coitados. Verdadeiras aberrações que se perdiam naquela miserável imensidão. Perdiam-se, mas não eram perdidos de vista pelos abutres; coisas do além, que só se viam nas revistas de Bang-Bang, atrasadas de 10 anos ou mais, ou no enterro de algum pobre infeliz, feito ali mesmo, naquele amontoado de nada, enrolado em uma mortalha esfarrapada, que só mesmo Augusto, aquele, o “dos Anjos”, conseguiria descrever.
Ah ta, e o Joéliton né?
Joéliton foi uma exceção de nossos contos brasileiros de abandono e adoção de crianças.
Criança jogada na lata do lixo, quer dizer, no lixo, porque lá onde ele foi jogado, nem lata tinha. Adotado? Esperem aí, deixe-me contar a história do meu jeito.
Sim, adotado, por um casal de brasileiros. Qual a diferença? É que geralmente os desgarrados de umbiguinho de fora são alvo das famílias dos States. Com Joéliton foi diferente. Ele era norteamericano, deixado aqui no Brasil por uma família que morava um pouco em cada um dos 51 estados dos EUA (contando a Área 51, é claro). Inclusive Joéliton foi alvo de pesquisas na região. Sim, era de família milionária. Eram mais dois irmãos, fora ele; só que estes nasceram sem defeito algum. Paul e Anka certamente iam crescer fortes, robustos e bonitos, feitos Pai e Mãe.
Joéliton nascera meio pequeno, não, bem pequeno, perninha torta e braços mirradinhos. Os Doctors de lá, ao serem indagados sobre o caso de John Wellington – esse era o seu nome verdadeiro – disseram que ele não passaria dos 112 centímetros de altura e que isso, nas fotos de imprensa, poderia prejudicar os negócios do Pai. Aquilo foi a “Gota D’água”, um verdadeiro golpe empresarial para que os Wellingtons tomassem a sua decisão.
A promissora família aproveitou uma excursão ao nordeste patrocinada pela ONG “Viva Rio-Seco” que estudava calangos e outros animais exóticos, para desovar a pobre criança, e levar algumas peles de jacaré também – mas somente de jacaré mortos.
Aqui deixado já possuía os seus quatro anos e não conseguia sair dos 40 centímetros de altura. Mas, foi adotado, de papel passado, e amassado – porque o Tabelião do único Cartório da região era esquizofrênico e apertava tudo que colocavam em suas mãos – pelo Sr. Jonas Cleverson e sua amásia, Madeinusa, filha de um camelô que vendia produtos importados na Praça da Sé, que se cansou de tanto apanhar e recolheu a lona azul para voltar à sua terrinha natal. O nome deles soa estranho? Você não viu nada. A cidade era um verdadeiro estúdio hollyudiano.
Como a pobre criança já sabia pronunciar o seu nome, e nada mais, dizia meio enroladinha, Mi name ichi John Wellington.
Entendem agora o porque de ter ficado tudo bem emendadinho?
Bom, o tempo foi passando e Joéliton foi crescendo; Ops! Na verdade Joéliton foi ficando mais velho, porque crescer era uma coisa que nunca aconteceria realmente. Ele era um Anão, mas fazia questão de dizer que era uma AMERICAN NORTH ANÃO. Ainda lhe restavam no vocabulário algumas palavras em inglês, e outras, ele copiava dos anúncios do telão que exibia filmes na cidade.
Bom, mas ali naquele fundão de mundo, ele era conhecido mesmo por MININU. Talvez porque ninguém acreditasse que um dia ele fosse realmente chegar a ser um homem.
Certa noite, estrelada por sinal, a multidão da cidade já começava a se aglomerar na praça para mais uma sessão de cinema ao ar livre. O filme? Não, nenhum desses que você está imaginando. Filmes novos sim! A cidade era pequena e desprovida de recursos, mas uma coisa ela possuía, igualzinha a todas as outras cidades do Brasil. Contrabandistas, Punguistas, Traficantes, Casa da Dinda e muito mais; toda essa gente que estremece uma comunidade e põe a milícia de “cabelo em pé” também tinha por lá. Ah, escola ainda não tinha. Não era muito interessante tirar as crianças da roça ou dos fornos de carvão para estudar. Cumprimentar o dindo e a dinda, e pedir a benção ao vigário já eram o bastante para ser educado por ali. Escrever, só o primeiro nome; não dava tempo de aprender o restante para não comprometer a colheita.
Bom, o filme era um clássico. “Rambo III – A Missão”, que ele jurava ter sido patrocinado pelo seu AMERICAN FATHER, inclusive aguçando pela memória, lembrava nitidamente de que Starllone teria sido seu padrinho de batismo. Isso é claro, lhe rendia alguns bofetões na orelha.
Mas, continuemos. O filme se desenrolava tranquilamente, quando, de repente, um famaçê dos diabos começou a sair da chiboca de Dona Severina. O tumulto foi grande, e grande também foi a gritaria na praça, só que ninguém era ousado o bastante para se meter naquele fumacê e no fogaréu que começava a tomar conta do casebre. Foi nessa hora que olharam arquitetonicamente para Joéliton e pensaram – se ele for, não se perde grande coisa.
Não gente,! Que coisa horrível de se pensar. Eles imaginaram apenas que quanto menor o herói, menor seriam as queimaduras.
Joéliton, naquele momento, vestia uma calça Je – é, porque Jeans seria uma calçai nteira, né – e uma camisinha preta, bem coladinha no corpo, dada de presente pelo seu vizinho que acabara de ganhar roupas novas para o seu boneco Fofão.
Logo, aquele povo inteiro começou a gritar.
...Vá lá Joéliton, seja o nosso herói por um dia – Que merda, nem eu cairia nessa.
Outros falavam.
...Que Deus ajude a Joéliton.
E outros, lá no fundo da multidão gritavam.
...Vai ANÃO DO CARALHO, se você morrer a gente só abre metade do buraco.
Mas Joéliton não se intimidou. Olhou para o telão, justamente no momento em que Starllone estava pronunciando algo. Uma frase bem curta e de boca torta, é claro.
Respirou fundo, arrancou a camisinha preta, e correu em direção ao barraco. Naquele instante vinha chegando uma carroça de Circo. O cavalo se assustou com Joéliton e empinou os cascos. Mas o valente anão, não se intimidou – coloquei uma vírgula para não pensarem que sou gago ou repetitivo – saiu dali batendo os calcanhares na bunda – o que também não era muito difícil de acontecer.
Naquela carroça estava o grande domador de feras e campeão portorriquenho, costarriquenho e baiano, de Luta Livre, mas não me pergunte sobre a procedência das lutas.
Quando viu aquilo, um toquinho de gente correndo e assustando o cavalo, pensou...Aí está a minha mina de ouro, só faltava mesmo é ser valente.
No momento em que pensava, escutou um grito e uma explosão.
Lá estava Joéliton, puxando a velha pelos cabelos – coisa que depois ele mesmo disse ter ficado satisfeito de fazer, pois na sua opinião teria sido ela, aquela bruxa maldita que hogara uma praga nele para que nunca mais crescesse – e a arrastou por quase vinte e cinco metros até a multidão.
A explosão foi da pólvora que o marido de Dona Severina guardava para ocasiões especiais. Nada demais; é que o velho acreditava que para matar Lobisomem não bastava a bala ser de prata, a pólvora tinha que ser da boa.
Foi uma gritaria só...MININU...MININU...MININU.
Ele, daquele momento em diante não deixava nada a desejar para o tal do Starllone. Aquela pobre e miserável cidade acabara de ganhar o seu próprio Rambo. Ah, e Dona Severina? Não teve nem tempo de agradecer; caída que estava, foi pisoteada até a morte por aquela multidão. Mas, ninguém gostava dela mesmo.
De repente, do meio daquela muvuca, saiu aquele homem de capa dourada e máscara vermelha. Todos se assustaram, menos Joéliton, o MININU.
Aquele ser bizarro então falou:
_Vi perfeitamente a sua proeza, a sua magnitude e tamanha maestria ao desvencilhar-se de seu ínfimo produto físico para responder ao chamado do temeroso e quase que inacessível sinistro.
Até então ninguém tinha entendido porra nenhuma, mas pensavam que aquilo deveria ser uma espécie de elogio, e gritaram novamente...MININU...MININU.
O homem pediu silencio e ali mesmo, na praça, cheia de magrelas feições esfomeadas disse.
Aqui está o meu guerreiro. Quero você como um artista, viajando no meu Circo por todo esse Brasil e também por toda a América do Sul. Você será treinado para a Luta Livre e trará muita glória para o meu Circo; e ficará muito rico também.
Joéliton não se continha em emoção. Um ser humano de porte normal já não conseguiria se conter, quanto mais Joéliton, que estava no auge de sua altura, aqueles 112 centímetros que os Doctors haviam mencionado, e mais nada.
Mas, e qual seria o nome fantasia de Joéliton?
Naquele momento, poucos perceberam as condições de Joéliton, que estava sem as calças. Sim, estava completamente nu, do jeitinho que veio ao mundo e do jeitinho que chegou ao Brasil também. É que aquele fogaréu havia queimado toda a sua roupinha.
Joéliton, diferente dos anões brasileiros – se é lenda ou não, não me interessa – não tinha nada de avantajado. Tudo ali era perfeitamente mini, nanico, dos pés à cabeça. Deixa-me explicar direitinho; o termo “Tripé” só seria utilizado para descrever a sua parte mais íntima tempos depois.
Aquele homem pensou, pensou e resolveu chamá-lo de MINI-NÚ, a Fera que luta pelada.
Dá pra acreditar na idiotice? É coisa de sertão mesmo, não é?
Mas, foi assim que Joéliton, popularmente conhecido por MINI-NÚ tornou-se campeão brasileiro de Luta Livre entre os seus pares, e posteriormente, subiu de categoria sem ninguém entender como. É que Joéliton tinha um golpe secreto. Quando se sentia acuado, lembrava de Ritinha, preciosidade do agreste que andava livre como uma borboleta; e como borboleta não usa calcinha...Você já imaginou?
Aí, quando o seu bilau começava a dar sinal de vida – a essas alturas elej á havia colocado uma prótese, fruto do dinheiro que ganhara – os adversários misteriosamente recuavam e pediam água, água.
...Tire ele daqui, que coisa horrível, eu desisto!
Joéliton, assim, vencia a todas as lutas. Só não aceitava lutar com homossexuais; corria o risco de perder o título e ainda arranjar um gancho.
O que, acabou? Não porra...Espere um pouco.
Certo dia Joéliton viera visitar os seus pais adotivos e lhes trazer uma certa grana, quando viu na frente do barraco uma limosine prata estacionada. O seu pequeno corpo gelou.
Naquele instante, um homem saiu de dentro do barraco e olhou firmemente em sua direção, correu para perto dele e abriu os braços. Para o que? Abraçá-lo? Não, o homem usava perfume francês, e Joéliton havia chegado ali num Jeep – não, não é Je, porque carro não funciona se não estiver inteiro – e estava todo suado. Então aquele homem percebeu que John Wellington não havia crescido mais do que os seus braços estendidos. Ficou satisfeito e agradeceu a Deus. Eu explico!
Era a promessa que fez, e teria que cumprir pela consciência pesada do abandono. Se John Wellington fosse, naquele momento, maior do que os seus abraços esticados ele o levaria de volta. Mas não chegou nem perto disso. O homem puxou umas verdinhas do bolso, tipo Sinatra, e lhe deu para que comprasse uma bicicleta, pois via nele uma eterna criança. Dali mesmo entrou na limosine e foi embora, para nunca mais voltar.
E dos netos, nem ficou sabendo. Sim, netos, Joéliton quando se apresentava nu recebia muitos telefonemas e cartas – depois da prótese, é claro, porque ali virara um genuíno ANÃO BRASILEIRO – até que um dia, se apaixonou perdidamente por uma jovem modelo, prima da amiga da vizinha da ex-mulher do Nelson Ned...Tirando os galhos, tudo terminou com um final feliz. Ah, os filhos de Joéliton com a modelo – que eu não disse e nem vou dizer o nome – nasceram crianças normais. Duas meninas e um homem – que não teve a necessidade de colocar prótese.
Joéliton continuou lutando, até morrer...Todos vibravam com o MINI-NÚ. Mas, em seu enterro ninguém foi...Por quê? Que merda heim! Você já foi em enterro de anão?