Um Brinde aos Noivos!

Quando o garçon acabara de recolher os pratos de entrada, Milena bate na taça de vinho com um dos talheres e levanta-se, firmando uma das mãos no encosto da cadeira para finalmente postar-se em pé.

- Quero propor um brinde!

Esse sim era um momento inesperado. A champanha ainda não fora servida aos convidados, a oradora bebera demais, e pior, pouco conhecia o noivo, que acabara de chegar à cidade onde nasceu e cresceu Orlandina.

As nove amigas entreolharam-se, visivelmente surpresas, e olharam para os mais de vinte convidados que compunham o jantar de comemoração. Uma delas, que sentava ao lado de Milena, segurou levemente em seu braço, e fazendo sinal negativo com a cabeça, falou baixinho “brindaremos logo mais”. Milena, teimosa, continuou.

- É com muita alegria que estou aqui para comemorar o casamento de uma amiga tão querida. Não haveria dia melhor para uma festividade! O dia dos namorados transpira amor, e o amor é a razão dessa união. Portanto, nada mais belo e inspirador do que essa ocasião.

E silenciou, esquecendo-se de brindar. Direcionando a taça de vinho à boca, alguém se prestou a dizer “aos noivos!”, e todos repetiram o mesmo gesto, ainda que a champanha nem desse sinal de chegada. Mas o discurso ainda não terminara, o que bem sabiam as nove amigas que tentavam mantê-la sentada. Milena, entretanto, continuou.

- Não há sentimento mais bonito que o amor. Não há tanta beleza em lugar algum... Posso dizer a vocês que já amei muitas vezes, já me entreguei por completo aos meus amores, renunciando tudo que construí até então. [Pausa] Mas amada eu nunca fui. E perdi grande parte da minha vida tentando me enganar que o amor superaria tudo, até a ausência dele mesmo.

As amigas, em tentativas reiteras de puxá-la à cadeira, finalmente desistiram, rendendo-se a teimosia ímpar que a bebida era capaz de despertar em Milena, que persistiu:

- Sabem, casei-me muito nova, com dezessete. Apaixonada pelo meu marido, que então era também meu professor. Não estava grávida nem nada, casei mesmo em nome da paixão. Tivemos felicidade extrema por exatos três anos, quando descobri que uma de suas alunas esperava um bebê, grávida de oito meses. Sofri e chorei até cansar. Resolvi perdoar e virar a página. Mas a página seguinte trazia outra traição, e isso, meus amigos, eu não pude suportar. Perdi a fome e a vontade de viver...até conhecer Rodolfo – dois anos mais tarde -, que jurou amar-me mais que a si próprio, jurou eternidade, sufocado que estava de tanta paixão. Casei-me novamente, na ingenuidade boba que os vinte e dois anos não deixam de ter. Rodolfo me amou, me deu o céu e as estrelas e dois enteados para criar. Mas conheceu uma de vinte e dois - quando eu já tinha vinte e seis e não transpirava mais tanta jovialidade assim. Um dia chegou em casa, às duas da madrugada, quando eu ainda o esperava acordada, e falou “eu me apaixonei por outra pessoa”. No dia seguinte, arrumou as malas, levou os filhos para a casa da mãe e mudou-se para um hotel. Fiz as minhas e fui embora também, não depois de destruir por completo a casa de vidro com um martelo de construção. E foram essas, minhas lindas histórias de amor.

Os convidados, perplexos, olhavam para os noivos (perplexos também), esperando reação qualquer que pudesse distrair aquele incidente. Mas os noivos, incrédulos com a singela homenagem, pouco piscavam os olhos, sem saber – e sem querer falar.

Milena sentou-se por um segundo e logo levantou novamente, desta vez erguendo a taça com o pouco que vinho que ainda restara, e finalmente brindou:

- Ao amor!

Quando, por fim, a champanha chegou.

Ie
Enviado por Ie em 12/06/2008
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