Promessa a Santo Antônio – Giselle Sato

 

 

Todo ano era a mesma complicação. As propagandas incitando as compras dos mais variados presentes. Surpresas românticas, final de semana em chalés curtindo a lareira e o friozinho, joalherias em promoção de anéis de noivado e é claro o bendito  Dia dos Namorados.

 

Para Margarida era o tormento. A família adorava as festas juninas e comemoravam todos os santos padroeiros.

No ano anterior, ficou com tanta raiva que assistiu a missa do convento de  Santo Antônio de pé, no meio da multidão, sufocando o desejo de extravasar toda sua indignação.

 

 Esperou horas até a igreja esvaziar e foi conversar com o santo de devoção:- Olha meu santinho, sou eu, a Margarida Antônia. Sabe porque tenho este nome?

Por sua causa. Promessa de mulher encalhada e solteirona, maldição de família que o senhor deu jeito. Um milagre no meio de um bando de tias que só pensam em casamento.

 

Soltou os cabelos enrolados no coque apertado e doído:-

Fiz promessa de cortar o cabelo só quando o senhor me arrumasse um marido. A cabeleira já está batendo nos quadris e nada. Assim não dá meu santinho. Vou esperar sua próxima festa e se nada acontecer vou ficar careca.

 

Margarida Antônia aos trinta e cinco não era bonita e nem agradável. Faltava-lhe o viço e os atrativos.

 Bondade à parte tinha o jeito doentio e amarelo. Disfarçava  a magreza com casaquinhos tricotados e vestidos floridos costurados pelas tias em versões idênticas e cafonas.

 

 Não tinha um jeans no armário e a única maquiagem era o batom rosa clarinho que raramente usava.

Mas não era má criatura, dava aulas de reforço  quase de graça para a criançada da vizinhança, fazia doces e bolos para as festas da igreja, ajudava os pais feirantes quando tinha tempo e mais nada.

 

Tinha orgulho de ser a moradora mais antiga da vila no subúrbio do Méier. Bairro tranqüilo onde as pessoas  ainda colocam as cadeiras na calçada e aproveitam o ar fresco no final das tardes em animadas conversas. Margarida via as moças mais novas passeando de braços dados com os namorados e suspirava triste:- Mãe, não agüento mais esta solidão, prefiro morrer a ficar como tia Claudinha.

 

-O que é isso minha filha? Sua tia é uma pessoa ótima, te faz todas as vontades, vive te agradando e você tem coragem de falar assim?

 

-Mãe, ela dá em cima de tudo quanto é homem, vive em bailes da terceira idade e ainda por cima usa peruca. Pior, só arruma problemas.

 

-Sua tia não tem muita sorte  no amor mas é uma mulher feliz. Faz aulas de dança de salão e tem todo o direito de frequentar os bailes. Mudando de assunto, ontem o rapaz do caminhão de peixe perguntou por você.

 

-Era só o que me faltava, namorar o peixeiro fedorento.

 

-Mas bonitão. Um italiano de dar água na boca. Mania de escolher demais, por isso está sozinha.

 

Margarida  Antônia saiu correndo para o quarto aos prantos. 
Raiva da mãe, dos casais que passavam no portão e principalmente do santinho sempre iluminado pelas velas cor de rosa na cabeceira da sua cama. 

Estava chegando a hora de tosar a cabeleira, já tinha marcado o salão para tristeza da família que considerava tudo um grande desrespeito.

 

O Sábado amanheceu bonito e as bandeirinhas enfeitavam todas as casas. A fogueira armada e pequenas barraquinhas montadas. O sanfoneiro e seresteiro começaria a festa mais tarde e de todas as casas vinha o cheiro gostoso de canjica e bolos sendo assados.

 

Era a primeira vez que ia ao salão desde a promessa. Chegou cedo e ainda estavam abrindo as pesadas portas de ferro. O salão era novo e não conhecia os profissionais. Todos pareciam bem animados:-Vamos logo que nossa primeira cliente não pode esperar.

 

Margarida sorriu para a jovem que comandava o grupo e pouco depois estava sendo preparada na cadeira. Tomou café fresquinho e escondeu o nervoso.

Suava diante do espelho, os cabelos castanhos encaracolados caíam como um manto e todos comentavam sobre a beleza da cor e o brilho dos fios.

 

O dono do salão chegou apressado e foi logo pedindo desculpas, era um homem simpático e bem conservado. Tocou o cabelo de Margarida suavemente:- Lindo. Vamos aparar as pontinhas?

 

- Não. Corte  na altura do queixo. Não quero mais esta cabeleira.

 

-Tem certeza? Depois não adianta se arrepender. Quem sabe eu modelo e mantenho o corte longo tirando apenas alguns centímetros para você se acostumar?

 

Margarida olhava as mãos morenas em seus cabelos e sentia que ele estava fascinado com os cabelos, relutante em cortar as madeixas, mexia nos cachos quase com carinho:- Desculpe, nunca fiz isto antes mas não posso, não consigo cortar seus cabelos.

 

-Como não pode? Eu quero, são meus e eu decidi corta-los.

 

-É que são tão lindos e tenho dó de meter a tesoura. Porque decidiu fazer isso?

 

-Porque....

 

E Margarida não quis explicar nada, sentia-se triste e com a visão turva por pesadas lágrimas. 
Desceu desajeitada e saiu para a rua afobada. O homem veio atrás e segurou o braço de Margarida com firmeza:- Está pálida, sente-se mal? Mil perdões, não fui nada profissional. Deixe-me ajudar a senhora.

 

- Senhorita. Não, não é nada, é que eu realmente não queria cortar os cabelos. Foi um impulso bobo e graças a Deus não cortei.

 

Tavares era um cabeleireiro tarado por cabelos longos e macaco velho de profissão. Mulher no estilo de Margarida era cumpridora de promessa desiludida. Sentiu na hora em que bateu os olhos. Felizmente seu tipo preferido, carente e afetuosa.

 

Margarida sentindo o interesse e boa vontade fingiu-se de frágil para que o solícito senhor a levasse em casa, logo ali na esquina, pertinho do salão.

Tavares deu logo um jeito de ser convidado para a festa e apresentado a família da moça.

Agradecendo o santinho querido,  Margarida nem se deu conta que havia arrumado um grande problema. 
Se Tavares era louco pelos seus cabelos como haveria de pagar a promessa a Santo Antônio sem perder o pretendente?

Giselle Sato
Enviado por Giselle Sato em 03/06/2008
Reeditado em 26/07/2008
Código do texto: T1018014
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