Contos. Lá da Minha Terra.

Lembro-me de Jardel, filho mais velho de Dona Amélia Batata, como os meninos lá da rua costumavam chamar. O pai dela, seu Geraldino Corrêa, tinha uma plantação de batata que a família herdava de geração, e Dona Amélia deu - de certa forma, segmento ao negócio depois que seu Geraldino morreu. Mas era gorda, redondinha e com umas pernas roliças que lembravam a batata cozida de mãinha, e um dia, quando o bando tava reunido à mesa, a campainha tocou. Espiei entre o vão da cortina da porta e gritei baixinho à mãinha “é Dona Amélia Batata!”. O resto da gente, que à essa altura parara de conversar pra tomar conhecimento da visita, caiu numa gargalhada instantânea e nada discreta, enquanto a dona batata esperava do outro lado da porta. “Abre menino”, minha mãe gritou, e eu, prendendo o riso, abri a porta. “Boa tarde Dona Batata!”, com peito estufado pra parecer mais respeitoso, mas quando me dei conta da grande besteira que tinha falado, imediatamente corrigi “Dona Batata não, disse Dona Amélia, viu?”. E ficou, Dona Amélia Batata,pra Jacarezinho inteira assim conhecer. Então... a pirracenta era apaixonada por Goiano, dono do bar, essas paixão boba que adolescente resolve inventar, e ela resolveu continuar. Mas Goiano era casado há mais e cinco anos, era doze anos mais velho que ela e tinha um bafo de cebola-amanhecida adquirido, coisa que ao saía nem com água fervente mais. Mas ela, mocinha arretada por demais, escreveu uma carta e deixou dentro do livro de contas, quando foi assinar um refrigerante que tinha pedido fiado. Acontece que o Goiano, coitado, bobo por demais fechou o livro sem conferir coisa nenhuma. O furdunço veio só no dia seguinte, ás oito da manhã, quando a mulher do Goiano foi bater na porta da casa de seu Geraldino, falando bem alto (pros vizinhos ouvirem) que Amelinha não valia nada, pois tava arrastando a saia pra cima de homem casado. Ih, foi uma confusão. O pobre do seu Geraldino, que mal tinha mais idade pra prosear, quase morreu do coração. Pediu bem irritado que a senhora, por favor, saísse da porta de sua casa a fazer arruaça, ou ia ter que chamar a polícia – como se a polícia chegasse rápido assim naqueles arredores. Mas a senhora, ainda bem, se intimidou por demais do vexame que tava fazendo na cidade que chegara há nem tanto tempo assim, e resolveu se acalmar. Acalmar, não esquecer, pois voltou pra casa, olhou o filho no berço, tomou um gole de refresco e fumou um cigarro. Esperou a poeira baixar, e voltou a casa de seu Geraldino, mas dessa vez batendo palmas no portão, pra avisar. Lá vinha, o pai de Amelinha com os óculos pendurados na ponta do nariz, e a dita-cuja logo atrás, cheia de pose, mas um olharzinho manso, fugindo da mira enfurecida da mulher do Goiano, que tava desacompanhada, mas com a presença de nada menos que a bendita prova do assanhamento: a cartinha rabiscada nas mãos. O três passaram quase três horas lá dentro, segundo a vizinhança averiguou no comitê daquela tarde, na praça, e depois disso Amelinha não saía mais de casa. Isso por quase um ano, até seu Geraldino morrer – e dessa vez sim, de ataque do coração, mas tinha sido por outra razão, segundo o Dr. Miguez comunicou. Vixe mãe! A mocinha ficou em luto por mais um mês só, e resolveu cair na gandaia quase todo santo dia, acho que pra compensar o tempo perdido dentro de casa. Mas que o tempo, a vontade sem fim do Goiano seboso do bar. Aí que foi a perdição porque a moça investiu o que tinha e o que não tinha nessa conquista, e tava cagando pra qualquer alma penada que quisesse comentar. Afinal de contas, sua honra já se fora há um ano inteiro atrás, quando a jagunça da mulher resolveu espalhar. Foi uma luta, onde o único soldado perdido na batalha era mesmo o Goiano, que nem se dava conta da disputa louca que corria entre sua mulher e Amelinha, a pauta de todo dia da assembléia da praça de Jacarezinho. Enfim, passados uns sei, oito meses de tumulto, Goiano se encheu, pegou a filha e a mulher e voltou pra Goiás. Amelinha, a coitada da vez, quase se perdeu em desgraça. Vivia dia e noite com os olhos vermelhos de piche, por conta da saudade que sentia do Goiano, que seu nunca fora. Mas aí, um tempinho só depois a ferida sarou, a saudade sumiu e Herculano apareceu. Era primo de segundo grau seu, mas que tinha ido pequeno pra capital- e agora voltara pra cuidar da fazenda comprada, mas isso era coisa pequena que não importava muito não. E finalmente a moça foi correspondida. E se casou. E foi feliz, feliz. Por dói anos só, porque quando tava ainda grávida do mais velho, Jardel, Herculano foi querer apostar corrida de cavalo depois de várias doses, caiu do cavalo e morreu. Dona Amélia não chorou dessa vez, vendeu uns raças-puras e foi pra Europa. “Pra distrair a tristeza”, ela dizia. Voltou tão distraída que mal o bacuio tinha completado seis meses, arrumou um amante. E assim foi, de amante em amante, uns filhos aqui, outros acolá, cuidando da fazenda e das batatas que resolvera plantar.

E agora me lembrei de Jardel, o mais velho... Mas essa a gente deixa pra prosear outro dia...

Ie
Enviado por Ie em 03/06/2008
Código do texto: T1017134