O TOCADOR DE RECO-RECO
Pedro Borges deixou uma herança: era um bom safoneiro e antes de sair da pensão, formou um conjunto musical que poderia ter sido o grito de independência financeira de João Eudes, mas o nordestino do Rodeador, não tinha dom para a música e não passou de um tocador de reco-reco.
Para não desfazerem o grupo, resolveram investir em futebol. Compraram chuteiras, bola, uniformes e organizaram dois times: Agogô e Reco-reco. E, nos finais de semana a programação depois da “pelada” era disputar cerveja no palito, a famosa”porrinha”.
O time de futebol, logo foi desfeito, mas o da “porrinha” continuou por muito tempo, até que nos apareceu João Borges. Fez uma festa, abraçou os conhecidos e se dirigiu a mim. “Diassis, estou desempregado. Você me ajudou muito e nunca pude lhe pagar, mas hoje estou precisando de um grande favor. Arranjei uma namorada. Preciso sair com ela e estou sem dinheiro”. Zé antecipou-se – eu não tenho dinheiro.
- Não lhe pedi dinheiro emprestado. Pedi a Diassis.
- Bom, eu tenho cinqüenta cruzeiros que ganhei de um assinante, mas vou jantar e assistir a um filme no cine Panorama. Não vai sobrar nada depois disso.
- Diassis, ou você me empresta os cinqüenta ou então adeus, até dia de juízo. Nunca mais falarei com você.
- Problema seu. Não estou perdendo nada – respondi.
Nisso ele me deu um empurrão, meu amigo Zé segurou-me evitando que tomasse uma queda. Partimos para cima do grandalhão e demos-lhe uma grande surra.
-Vou pegar vocês depois, um de cada vez! - saiu resmungando.
Zé mostrou-se preocupado: “Não me importo de encarar aquele cavalo, mas você é menor e ainda está em fase de crescimento...”
- Não se preocupe comigo, sei me defender!
Meus amigos de hospedaria estavam preocupados , porque o grandalhão fora me procurar três vezes, dizendo que ia me dar uma lição. Estava portando um cano galvanizado, tão ou mais poderoso que um porrete de pau-d’arco.
Depois que fiquei de maior e passei a ganhar um salário mínimo, tinha uma economia. Meu sonho era ter meu próprio negócio. Então os amigos me aconselharam a mudar-me para a Vila Carrão, mas fui irredutível: “Daqui não saiu”. Passei a mão num bom dinheiro e comprei um punhal numa loja de caça e pesca e continue trabalhando na folha de São Paulo e morando na mesma pensão. Meu antigo protegido deu azar...Mal encostei a bicicleta na calçada ele agarrou o guidão e disse que ia dar uma volta.
- Nem que fosse minha, nessa bicicleta você não anda!
O povo olhou assustado, eu porém não desfiz a pose:
- Que você está querendo?
- Aqui, nada, mas me acompanhe que lhe mostro o que quero...
Não relutei, acompanhei-o. Dobramos a Brigadeiro Machado e mais adiante ele parou, mais ou menos no mesmo lugar em que tínhamos tido a primeira luta corporal!
- Está com medo? Não vou te matar. Só vou te dar uma surra que daqui há vinte anos ainda vai se lembrar.
Eu respondi que em filho de homem não se bate. Então ele arrancou meio metro de cano escondido nas calças e caminhou em mim. Cada investida que dava eu tirava um pulo. Fui pulando feito papagaio na areia quente até que uma das vezes me acertou fortemente o braço direito. Ele não sabia que sou canhoto... foi a conta de acertar-lhe um cutilada nas nádegas e o sague correu de bica. O grandalhão desmaiou quando viu o sangue.
A polícia esteve na pessão à minha procura e tomou depoimento de muitos que estavam por ali. Dona Maria pediu a palavra e fez a ficha de João Borges, contou à polícia como nos conhecemos e porque o granalhão andava a minha cata para bater: “Eu não lhe emprestara dinheiro para sair com a namorada”. Não voltei mais na pensão. Pedi a meu amigo Benedito para acertar aconta com Dona Maria. A polícia também não foi mais lá.
Cinqüenta e dois anos depois vi de longe João Borges, numa pequena cidade do Piau. Não sei se me reconheceu, pois dizem que ficou maluco. Ainda bem que não lhe desferi nehuma pancada na cabeça, senão, estaria com peso de consciência por sua debilidade mental.