AQUI...DO OUTRO LADO...
Meu caro Ontem:
Demorei em escrever-lhe porque aguardei pelo outono.
E hoje, quando senti o frio do vento e os raios mornos do sol dum fim de tarde, enfrentei meu fuso horário e entendi que havia chegado a hora.
Aqui do outro lado, os outonos são sempre como aquele último, esfriam as mãos mas...como aquecem os corações!
A natureza ainda é a mesma, indolente e calma, e eu passo as tardes a contar aquelas folhas estelares que se desprendem e pairam pela brisa; e a caminhar cambaleante por entre elas, tomando especial cuidado para não machucá-las.
Porque sinto que mesmo as folhas que já foram...ainda respiram, e também inspiram a perene poesia.
E mesmo quietas, murmuram-me o tempo todo que também sentem saudade.
Às vezes, saio do meu contínuo consciente, estrangulo a alma, e me ponho a saltar pelas nuvens, sobre as nossas "amarelinhas" que nos conduziam ao breve céu dos primeiros tempos.
Mas a vida daí, nunca foi eterna poesia, e há que se afastar os falsos versos de todo o outrora...
Aqui nessa sacada, por ora balouço os ossos cansados numa cadeira de fresca treliça de vime que ainda distrai a minha alma viva, e às vezes ponho-me a escrevinhar as palavras que ressoam dum velho plátano nú que mora ao meu lado,e que como eu, pouco terá como fugir do inverno...que sempre chega.
Logo mais a neve mostrará sua cor, cobrindo de branco mesmo o detalhe mais esquecido, e eu estarei a esticar estes ouvidos que já não escutam, para auscultar e descrever o silêncio que sempre me vem de cima...
Já é tarde... e a natureza daqui, também mostra sinais cíclicos do tempo.
Aliás, percebi que o tempo sempre continua, parece existir dentro de nós, porém aqui, apenas a noite é opcional...e tal fato eu tinha que lhe descrever urgentemente.
Aqui não há sonhos, e a realidade é a propria poesia instantanea que se esvaece, mas que sempre se escrevinha com s mãos.
E é por isso que lhe escrevo, para que a saudade de mais um outono não me escape vagarosamente, e se dissipe pela brisa.
Ah, só mais uma lembrança:Logo mais me servirão um espresso quentinho.
Tomarei-o como cuidado, porque embora nunca opte pelas noites, são as noites que sempre optam por mim...e mesmo aqui, eu continuo com a alma insone...
Já não sei precisar o tempo, mas por ora descanso minha mão trêmula sobre o incansável papel da ainda vida.
Fecho a janela e de você me despeço, aqui dentro de mim.
Que os próximos invernos nos sejam amenos.
Com eterno apreço.