MEU ESTRANHO CORAÇÃO
MEU ESTRANHO CORAÇÃO
(Ivone Carvalho)
Estranho vazio que invade o meu coração, o meu ser. A saudade parece maior que tudo. Sentimentos diversos conflitam dentro de mim. Tenho as mãos atadas, a voz sufocada, a mente em revolução.
Estranheza sem razão de ser, já que há tanto tempo esses sentimentos constituem uma tônica na minha vida. Altos e baixos são as constantes dos meus dias. Ora me sinto nobre, ora plebéia. Ora mulher, ora menina. Ora como parte de um todo, ora uma solidão indefinível. Ora desejo voar, ora gostaria de me enterrar numa duna. Ora atriz, ora platéia. Ora luz, ora trevas. Ora inteira, ora meia. Ora vazia, ora transbordando. Ora tempestade, ora árida. Ora a mil por hora, ora estática. Ora aplausos, ora vaias. Ora sou tudo, ora sou nada.
Busco, na oração, forças vitais. Dou vazão às lágrimas que insistem em aliviar a minha alma. Ouço o meu coração. Não há melhor conselheiro!
Mas somos tão íntimos! Ninguém o conhece como eu, ninguém me conhece como ele! Ninguém tem o direito de tentar desvendá-lo, porque é preciso ter sido parte do seu convívio através dos tempos, para conhecê-lo verdadeiramente.
Entretanto, tão aberto e transparente ele é, que bastaria ter uma sensibilidade igual à minha para compreendê-lo, interpretá-lo, acariciá-lo, tocando-o no seu imo e sentindo a extensão dos seus sentimentos, o valor de cada um deles, o brilho, enfim, que sempre foi parte integrante dessa alma que nasceu para amar, para doar amor, para evoluir única e exclusivamente pautada nas lições e na Sabedoria Divina.
Ah! Sou humana, é claro! Quantas vezes eu errei, quantas vezes feri, quantas me decepcionei, quantas não compreendi, quantas eu magoei, quantas me omiti? É errando que se aprende? Se for, certamente já aprendi muito, pois muito eu errei e, exatamente por ser um simples ser humano, sei que muitos erros ainda cometerei! Persistir no erro é burrice? Confesso que se repeti algum ou alguns dos meus tantos erros, não foi conscientemente, juro, pois sempre julguei de suma importância a auto-observação, a valorização dos ensinamentos com que a vida nos presenteia, as possibilidades que vão surgindo para o nosso aprimoramento, para a nossa lapidação, para a nossa evolução.
Para alguns sou um mistério. Para outros, um verdadeiro e límpido cristal. Tudo depende de quem são os uns e os outros. Há quem nos olhe com olhos de ver, outros apenas olham. Há quem nos ouça com ouvidos de ouvir, outros apenas escutam.
Até para mim, algumas vezes sou um mistério. Flagro-me com pensamentos que não coadunam com o meu modo de ser, com os meus princípios, com as minhas crenças. Tristeza sem motivo, saudade não definida, angústia não traduzida, ansiedade sei lá de quê. Pensamentos que se perdem no espaço, no infinito e que voltam me acordando para a realidade que se revela muito melhor do que o vazio que me permiti sentir.
Quando me encontro nesse estado, procuro reavivar, na memória, o adágio que nos lembra que a mente vazia é abrigo do mal. E logo me conscientizo de que tantos e tão boas lembranças podem mudar tudo que estou sentindo. Tantos e tão bons propósitos, me darão mais vida.
E busco pensar nas inúmeras atividades que transformam o meu dia de vinte e quatro horas em aparentes quarenta e oito. Volto os meus pensamentos para as tantas pessoas, adultos, idosos e crianças, que contam comigo, com o meu carinho, o meu trabalho, o meu amor, a minha atenção, a minha dedicação.
Fico tranqüila e penso em Jesus.
E uma paz imensa toma conta do meu ser. E vibra em mim o desejo latente de servir ao Pai, de cumprir os compromissos que assumi muito antes de nascer, de viver praticando os Seus ensinamentos, de levar a caridade aos necessitados, aos doentes, aos menos aquinhoados de fé, de esperança, de humildade, de carinho, de família, de amor.
Minh’alma se enche de luz e de amor.
Com energia revigorada, com a força que jamais deixou de existir dentro de mim, mesmo nos momentos de fraqueza, mesmo nas ocasiões em que senti puxarem o meu tapete, mesmo nas situações em que me senti chegando ao fundo do poço, por conta própria ou por ser sutilmente empurrada por quem vibra em sintonia inferior à minha, renasço das cinzas, tal fênix, alçando o vôo que sou capaz de alçar, porque todos nós somos um tanto anjos, um tanto poetas, um tanto gente, mas, acima de tudo, centelhas Divinas.
A máquina do tempo segue adiante e eu, sem olhar para trás, mas ciente do caminho percorrido, observo a paisagem avistada através da janela da vida, espalhando sementes do bem que, certamente, se transformarão em flores perfumadas e coloridas, que ficarão retidas nos olhos e no coração de quem tiver sensibilidade para percebê-las.
1º / maio / 2008