Querida filha:



Estou escrevendo uma carta que nem eu mesma sei como enviar-te. Através da linha do pensamento, é claro! A sutil ponte de ligação entre nós.
Estou tranqüila, embora saudosa de ti.
Te recordas? Hoje fazem exatamente oito anos que mudaste para esta outra dimensão. 
Ontem, quando eu me deitei para dormir, após dialogar com as esferas mais sutís através da oração, fiquei um bom tempo com os olhos abertos a tua espera. Em vão! 
Imaginei que O Senhor da vida iria permitir a tua visita e te aguardei. 
Enfim, o sono venceu o meu cansaço e viajei pelo astral.
Acordei em paz, com a certeza que estás em paz também. 
Passei o meu dia sozinha com os cães. Aliás, assim são os meus dias, na sua maioria.
Refleti em torno da efemeridade dos nossos dias e me fiz mais uma vez a mesma pergunta: 
     - Por que não eu?! Por que Deus te levou antes de mim? 
Sabe aquele fisioterapeuta o Dácio?! Certa vez ele me disse que Deus estava precisando de enfermeira e por isto te levou. Mas eu também sou enfermeira e com bem mais experiência, e aí? 
Ah! quem dera pudéssemos saber os desígnios do Senhor!
A casa está estranhamente vazia. Aquela alegria que trazias contigo , teus amigos, teus irmãos, já não existe mais. A solidão impregnou todos os móveis, paredes e teto. Para todos os lados que olho ela sorri para mim. Um sorriso debochado, medíocre e vão.
Então fecho os olhos, transporto-me a uma outra instância e trago de volta todos vocês.
Sabe a tua sobrinha a Ludmila? Está uma moça,estuda Direito e cismou que vai ser delegada. Já pensou?!
Estou doutrinando-a para tirar esta idéia da sua cabeça. Quem sabe se dedicar à família, direitos trabalhistas...algo mais suave?! Léo já não mora mais aqui em Jequié, mudou-se para Vitória da Conquista e Lucilla continua em Brasília com Natássia, aprendeu a gostar de lá de tal forma que não quer nem ouvir falar de voltar pra Bahia. Miguel está por aqui mesmo a a tua afilhada está mocinha e fazendo karatê. 
E eu?! Aqui naquela mesma rotina de sempre e cultivando recordações .
Que bobagem a minha a te falar de tudo isto que já sabes!
Escreva-me sim?
Beijos e o mais afetuoso abraço que já recebeste, tua mãe.




PS: Não fui ao cemitério porque prefiro recordar-te aqui em nosso lar ouvindo Djavan e cantarolando ao som de Pink Floyd. 
Deus te proteja,sempre!




Imagem:
http://entre-sol-e-lua.blogspot.com/2007/08/saudade.html