Carta para Tamar (4)


Lavras, 11 de abril de 2008



Querida
Tamar,

    Receber uma carta sua é sempre uma grande alegria para os olhos.É espantosa a sua criatividade, já no envelope. Eu o tenho aqui na minha frente, com a bucólica paisagem que você desenhou no verso. Dá vontade de emoldurar e colocar na parede.Quanto ao recheio do envelope, você nem vai acreditar. Eu sou apaixonada com esta figurinha que é a Betty Boop. Outro dia mesmo, eu estava em uma loja de presentes, e custei a segurar meu ímpeto adolescente que de vez em quando reaparece: uma quantidade incrível de badulaques com a sua marca estava pedindo: me compre, por favor me compre! Mas resisti bravamente, empurrei a adolescente para o fundo do baú, que é onde ela deve estar, e a mulher madura retomou o controle de minhas
ações. 

   Eu ainda não recebi A Emparedada, mas a Marga já me avisou que  está mandando. Assim que chegar vou ler porque estou muito curiosa sobre esta história. Provavelmente vou acabar também resenhando o livro porque esta é uma de minhas manias. É uma forma de manter viva em mim a memória dos livros que leio. Ao comentar sobre o livro, você avivou a saudade que sinto de Recife. Eu me apaixonei por esta cidade quando fui  lá ano passado, visitar minha irmã. Passei por Jaboatão de Guararapes também, quando ia para Porto de Galinhas. Quero voltar, farei o possível para ir até lá novamente este ano.

    Você tinha comentado comigo ligeiramente que tinha passado por problemas, mas realmente fiquei chocada com o que você contou. Logo que me mudei para esta casa onde moro, recebemos também a visita de um ladrão. Foi horrível. Os sentimentos são paradoxais, indo de um extremo ao outro. Mas realmente o pior é essa sensação de vulnerabilidade. O meu ladrão não teve tempo de roubar nada, foi descoberto a tempo, mas mesmo assim o medo se instalou em nossa casa e durante muito tempo vivemos sobressaltados. Hoje em dia podemos rir de tudo o que aconteceu e transformar em piada, mas na época foi um dramalhão. Fiquei chocada com o que o seu ladrão fez  mas se fosse comigo penso que o que me irritaria mais foi ele ter cozinhado os ovos de suas galinhas caipiras em seu fogão e comido. 

     Lamento que o seu sonho tenha acabado. Isso realmente foi imperdoável. Você acreditava tanto nessa vida simples que escolheu viver e agora ter que abandonar a sua tão sonhada casa de madeira na praia, distante da civilização, para viver em um apertamento (desculpe  a pobreza do trocadilho) ! Mas vamos acreditar em alguns lugares comuns tão consoladores como há males que vêm para bem, esperando realmente que a troca venha a ser proveitosa. Aliás eu tenho uma série de lugares comuns consoladores. Quer outro? Depois da tempestade vem a bonança, que é o que acho que anda acontecendo por aí agora, não?   Notícias ruins indo embora, notícias boas chegando: quer dizer então que você venceu aquela causa antiga e já está desfrutando das benesses? Assim, já que conseguiu repor tudo de material que perdeu, bola pra frente. Parta em busca de seu sonho de viajar mas me envie belos postais de lá.

       Queria lhe falar ainda da amargura e da desilusão que está sentindo por causa do que passou. Generalizar é muito perigoso. Existem pessoas boas no mundo, sejam elas de que classe econômica forem. Assim como existem as ruins. É a humanidade. Estar plena de realidade, como você diz estar, é bom. Mas sonhar e acreditar é bom também. Não deixe o ladrão roubar isso de você.

       Um dia desses entrei em um  blog, por acaso, e me lembrei de você. Chama-se Sindrome de Estocolmo, é de uma brasileira, acho até que pernambucana como você. Ela vive nos Estados Unidos com seu marido sueco e em seu blog ela expõe a sua produção: bijuterias, bolsas, essas coisas assim. Como você, ela é uma artista. Pude perceber que ela está vendendo bem seus produtos pela net. Por que você não tenta também algo semelhante, agora que está de computador novo? Os seus trabalhos são maravilhosos e merecem ser divulgados.

       Tenho lido pouco, escrito mais. Estou com livros empilhados no chão de meu quarto, eu olho para eles e é só isso. Tenho que fazer um trabalho agora, estou com duas palestras para fazer, públicos diferentes, o mesmo tema: Família. Não estou nem um pouco inspirada, acho que vou ter que estudar um pouco. Não gosto de escrever quando não estou com vontade, sobre coisas que não estão me atraindo no momento. Mas, tem coisas que não dá para escolher...

       Está muito quente esta noite, depois de um belo entardecer. Tenho passado por muitas noites insones, mas hoje,após um série de aborrecimentos profissionais, estou mais relaxada e penso que vou dormir logo. Bastante satisfeita por ter recebido notícias suas. Devo lhe dizer inclusive, que os correios foram muito eficientes. Sua carta postada dia 07 chegou ontem.

       Quanto a dentes, nem me fale! Eu até tenho um poema, não me lembro por onde anda, em que falo da fortuna que enterrei na minha boca! Posso dizer que meu tratamento foi caro, doloroso, demorado, mas...valeu a pena. Vai valer para você também. 

        Bem, pra terminar, uma constatação do Guimarães Rosa, de quem você fala tão bem: viver é muito perigoso. Mas, viver em perigo é bom também, como mineiramente diria o Lima Duarte na novela das seis.


                                             Boa noite amiga, até um dia qualquer...

                                                                                                   Merô