Um mês crucial na vida de um amante

BsB, 06/04/08

É como eu lhe disse meu jovem e querido amigo, este mês está mais para o amor do que para o perdão. Tudo parece novo de novo e tem acontecido tão rápido e tão gostoso em minha vida, que me recuso a acreditar que este mês só terá trinta dias para que eu o contemple e absorva todos os ventos que me chegam, tão carinhosos, todas as manhãs. Desculpe não tê-lo perguntado ainda, como vai? Pelo visto tudo anda bem, caso contrário, já teria recebido notícias suas através desses monstrengos telefones celulares, cada dia mais sofisticados, verdadeiros GPS.

Na última carta não consegui escrever o que exatamente tem se passado entre mim e minha digníssima amada, mas prometo descrever, com mais esmero, usando agora as palavras exatas para o que tentei relatar naquela ocasião. Não estou justificando a greve dos carteiros, nem tão pouco as dificuldades ora imputadas ao Sedex 10, que, com toda sua pompa, jamais será páreo para mim, jamais lhe dará as notícias em primeira mão.

Quando me referi aos lençóis cobertos de crisálidas, estava tentando passar para você os detalhes das cobertas que usávamos naquele momento de aconchego e euforia. As tais borboletas com asas arfantes, devido ao fluxo intenso de sangue que transmutava à realidade das coisas, deixavam fluir de suas entranhas, o néctar, como se realmente estivessem famintas. Saltavam de suas posições para cada quadrante do quarto, como se procurassem a melhor posição para suas asas na composição das esculturas que retratavam a cada instante, no reservado espaço entre as quatro paredes, caiadas e verdejantes. Paredes essas, que nos confortavam e nos cobriam, com tons claros e indispensáveis para colorir nossas mentes. Afirmo, com todas as letras que me são oferecidas: __ as crisálidas já nascem fazendo amor. Os embates sexuais nasciam das dobras dos lençóis, fazendo com que as asas se tocassem e se separassem, em movimentos de vaivém constante, às vezes até obtusos aos nossos olhos incrédulos. Você pode até não acreditar, mas era isto que ocorria ante nossa visão, ora fértil e produtiva. O mais engraçado é que nós tentávamos identificar quem era o macho ou a fêmea. Cada um de nós, eu e minha amada, defendíamos a nossa melhor compreensão entre os fatos e atos, praticados aos pares. Eu e ela, e cada um em particular, mais uma vez, tentávamos puxar para o próprio lado a beleza sensual, ora vinda do masculino, ora do feminino. Todos sabemos que na natureza os machos são os mais belos e bem dotados. Mas naquele momento, entre mim, minha amada e tais borboletas, eu era o bicho-da-seda, pra não dizer... apenas o bicho. Aquele emaranhado de cores, sexo, asas, mãos e arranjos, davam brilho a existência do nosso universo familiar.

Meu amigo, preciso dizer a você da bravura dos nossos corpos ali precipitados em abismos quentes, desejáveis até mesmo aos cegos de olhos de vidro. Os desejos carnais, antes reprimidos, agora em êxtase, encontravam-se à flor das nossas peles – criatura e criador. O ar puro vindo sei lá de onde, era uma ducha quente, muito provavelmente, desgarrada de um velho e saudoso oásis, ausente em outras ocasiões. A rosa vermelha e solitária colocada ali no canto da mesa, como se fosse uma hóstia a ser sorvida por uma criança em primeira comunhão, exalava uma fragrância que invadia nossos delatados narizes, já quase narinas, pois estávamos feito bichos emaranhados no cio. O hálito que emanava dos nossos ventres seguia por entre frestas ainda virgens de quaisquer pudores. Às vezes chocavam-se com as arestas cortantes que teimavam proteger nossos sentidos. Nossas unhas, mãos e braços, ferramentas utilizadas com ênfase no processo de construção a que nos propúnhamos realizar, eram apenas acessórios de primeira linha. Ah, as pernas, boca e língua, credo! Fundiam-se em uma única peça, escultura ímpar. Uma obra-de-arte sem assinatura ou projeção inicial. Meus dedos lascivos, impudicos, rijos, vergavam sobre vales e montes. Nascentes carentes brotavam por toda a extensão do novo formato: homem-mulher-bichos-mutantes. Quando nos penetramos - eu corpo, ela alma – pássaros que haviam chegado em busca de migalhas desprezadas por jovens crisálidas, perderam a fome, em uníssono, festejaram nosso namoro que mais parecia uma confissão de adolescentes: amantes ainda no nascedouro das borboletas.

Meu amigo você deve pensar que sou um louco. Gostaria que você tivesse esta certeza. Na minha idade, ouvir de lábios incandescentes, “eu te amo”, é como ganhar o primeiro beijo da primeira namorada.

Um grande abraço, desta criatura...

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 06/04/2008
Reeditado em 04/12/2022
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